Turismo brasileiro tem recordes, mas falta transparência e método
Professora e pesquisadora de políticas de turismo na USP
Neste sábado (27), Dia Mundial do Turismo, o Brasil celebra recordes e —paradoxalmente— tropeça no básico: método, transparência e coerência.
O ministro do Turismo, Celso Sabino, autor da PEC da Blindagem, pode não resistir às pressões de seu próprio partido, União Brasil. Sabino entregou sua carta de demissão na sexta-feira (26), mas ainda deve ficar mais algum tempo. Seja qual for o desfecho —uma eventual sobrevida até a COP30 ou a permanência até abril de 2026—, a disputa em torno do cargo tende a reiterar, pela 19ª vez em 23 anos, que competência técnica e conhecimento prévio do setor continuam sendo tratados como detalhe irrelevante.
As notas oficiais estampam manchetes como ‘melhor janeiro desde 1970’, ‘6,52 milhões de estrangeiros até agosto’ e ‘segundo país que mais cresceu no mundo’. Números importam, agradam e confirmam a percepção de avanço, mas sem documentação técnica acessível, microdados ou séries revisáveis, qualquer ‘recorde’ vira marketing. Pede-se pouco: a mesma transparência que o Banco Central garante ao divulgar gastos de estrangeiros; a mesma rastreabilidade que institutos sérios oferecem em suas pesquisas. Sem isso, a credibilidade evapora.
O ministério, sob quem quer que o ocupe, terá de enfrentar um cenário delicado: a crise de hospedagem da COP30, em Belém, ameaça transformar um encontro climático em fiasco turístico. A imagem do Brasil como destino de grandes eventos está em risco, e a logística precária se soma a um paradoxo climático incontornável: atrair mais voos internacionais —maior fonte de emissões de CO2 por visitante— para uma conferência que deveria ser exemplo de sustentabilidade. ‘Trazer mais voos’ não é neutro; exige contrapartidas ambientais concretas e mensuráveis.
Em 2024, Sabino vendeu a COP como vitrine para o ‘ecoturismo’, enquanto defendia ampliar voos e cruzeiros. Não há pecado em querer mais visitantes; o erro é omitir o custo ambiental e não apresentar plano com metas, monitoramento e prestação de contas.
Já que o tema deste Dia Mundial do Turismo é ‘Turismo e Transformação Sustentável’, três medidas simples poderiam marcar um salto de qualidade:
1 – Dados abertos, metodologia publicada e auditoria independente para estatísticas de chegadas, deslocamentos, gastos e eventos;
2 – Indicadores climáticos obrigatórios para qualquer política de conectividade, com metas anuais de intensidade de carbono por passageiro;
3 – Fim da ‘gestão por release’: cada comunicado deve apontar base de dados e nota metodológica.
Mais útil que imprimir cartilhas de nome caricato ou insistir em eventos caros e esvaziados seria atualizar pesquisas de demanda internacional em todos os portões de entrada e mapear o turismo doméstico rodoviário a partir de dados de celulares. E, se recursos faltarem, que ao menos haja clareza sobre qual parcela dos quase 7 milhões de visitantes internacionais corresponde a brasileiros residentes no exterior, em ano marcado por migrações intensas.
Trocar o ministro é insuficiente. O turismo brasileiro precisa trocar o método. Se quisermos ser levados a sério, dentro e fora do país, os próximos ‘recordes’ terão de vir acompanhados do que não se compra com publicidade: transparência, coerência climática e responsabilidade pública.
Créditos: Folha de S.Paulo