Internacional
18:07

Trump autoriza CIA a operações secretas na Venezuela e intensifica tensão

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou que autorizou a CIA a realizar “operações secretas” na Venezuela, podendo ser esse um marco nas relações entre os dois países, ao mostrar disposição de Washington para escalar a tensão. Em entrevista no Salão Oval da Casa Branca em 15 de outubro, Trump reafirmou que os EUA estudam “operações em terra” contra o narcotráfico originário da Venezuela, que segundo ele ameaça a segurança nacional americana.

Até o momento, os EUA conduzem apenas ações marítimas contra embarcações perto da costa venezuelana. Embora a Venezuela tenha papel menor no tráfico de drogas para os EUA, forças americanas afundaram pelo menos cinco barcos suspeitos de transportar entorpecentes nas últimas semanas, resultando na morte de 27 pessoas. Especialistas em direitos humanos da ONU criticaram estas ações como “execuções extrajudiciais”.

Com essa declaração, o conflito pode entrar em uma fase terrestre, embora não esteja claro o que isso envolveria. A ativista opositora venezuelana María Corina Machado, que viveu oculta desde o ano anterior e recebeu recentemente o Prêmio Nobel da Paz, afirmou que o conflito caminhava para uma “fase de resolução”.

O governo americano não divulgou detalhes das operações planejadas na Venezuela, mas o histórico da CIA na América Latina inclui sabotagens, infiltrações e campanhas para desestabilizar regimes.

O governo dos EUA intensifica a pressão contra o crime organizado na Venezuela, tendo classificado em fevereiro a organização “Tren de Aragua” como grupo terrorista. Trump chegou a acusar Nicolás Maduro de liderar essa organização, embora documentos de inteligência americanos obtidos pela Freedom of the Press Foundation não comprovem essa acusação.

Não se sabe a extensão da atuação da CIA. Pergunta-se se ações autorizadas por Trump poderiam incluir assassinatos ou operações de “bandeira falsa” para culpar Maduro e justificar uma intervenção militar. Décadas atrás, documentos revelaram que a CIA cogitou ações semelhantes contra Cuba em 1962, na chamada Operação Northwoods, que não foi executada.

O anúncio de Trump sinaliza um avanço para ações mais decisivas da CIA na Venezuela. Mick Mulroy, ex-official da agência e ex-subsecretário assistente de Defesa no governo Trump, explicou que para investigar ações secretas é necessária uma decisão presidencial específica.

Na Venezuela, os sinais de Washington são recebidos com preocupação. A Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) prepara-se para eventuais ações militares contra o país. Pesquisas em documentos militares venezuelanos apontam que um “período de crise” pré-guerra envolveria semanas ou meses de ações hostis, ciberataques, campanhas de desestabilização, subversão armada e bloqueio militar, buscando desgastar o governo de Caracas.

A resposta venezuelana incluiria a mobilização da Milícia Bolivariana, um ramo das forças armadas formado principalmente por civis organizado para defender o território.

A “primeira fase da guerra” prevista nas estratégias militares locais incluiria desgaste crescente, operações no terreno e ataques aéreos limitados. Washington tentaria criar uma “zona cinzenta” entre guerra e paz, caracterizada por ações militares não convencionais.

O governo venezuelano enfatiza a “mobilização popular” para resistir a esta guerra híbrida. Vídeos oficiais mostram civis recebendo treinamento para neutralizar armamentos blindados. Há relatos de distribuição de armas para civis em defesa contra uma “guerra não declarada” dos EUA.

A doutrina militar atual da Venezuela remonta a 2002, quando os EUA apoiaram uma tentativa de golpe contra Hugo Chávez. A partir de 2004, foi estruturada a doutrina bolivariana, inspirada em estratégias de guerra assimétrica do Vietnã, Cuba, Iraque e Afeganistão. Essa doutrina visa tornar o conflito insustentável para o inimigo, priorizando desgaste e resistência prolongada.

Chávez chegou a comparar a guerra do Iraque com possíveis cenários para a Venezuela, indicando que a resistência ocorreria em regiões como Turimiquire, Falcón e Lara.

A Milícia Bolivariana, criada oficialmente em 2008, cresceu de 1,6 milhão para 5,5 milhões de membros entre 2018 e 2024, com meta de 8,5 milhões até 2025. A força não pretende igualar o poder convencional do exército, mas ampliar a defesa territorial com conhecimento local e mobilização social.

Em caso de conflito, muitos milicianos atuariam em “inteligência popular” para evitar desordens internas sociais, além da defesa convencional pela FANB. Com cerca de 150 mil tropas regulares, o país reconhece sua inferioridade militar em relação aos quase 1 milhão de militares americanos.

Chávez investiu fortemente em armamentos defensivos entre 2006 e 2008, adquiridos de parceiros como Rússia, China e Irã. Recentemente, dificuldades econômicas e sanções limitaram a capacidade de renovação militar da Venezuela, intensificando a cooperação com o Irã.

Enquanto autoridades em Caracas monitoram atentamente os passos dos EUA, a inclusão da CIA acrescenta flexibilidade e opacidade às ações americanas, sem envolvimento direto de tropas regulares.

Resta aguardar as reações da população e das forças do Estado venezuelano a possíveis provocações, como operações de bandeira falsa ou tentativas de derrubar Maduro. Persistirá a unidade da FANB sob pressão interna? Uma estratégia de “guerra popular” conterá demandas por mudança de regime?

Maduro sobreviveu ao primeiro mandato Trump, apesar das sanções econômicas e crise severa. No segundo mandato, Trump mostra mais firmeza para derrubar o governo venezuelano, e a CIA pode ser um instrumento mais versátil para atingir esse objetivo.

Pablo Uchoa, especialista em Venezuela e doutorando no UCL Institute of the Americas, é jornalista e autor que escreve regularmente para veículos internacionais como BBC e Janes Intelligence Review.

Créditos: BBC News Brasil

Modo Noturno