Ativistas denunciam massacre após maior operação policial no Rio
Ativistas que acompanharam a remoção de mais de 60 corpos em uma área de mata no Complexo do Penha, um dia após a maior operação policial no Rio de Janeiro dos últimos 15 anos, classificam o episódio como uma “chacina” e “massacre” promovidos por forças de segurança.
Raull Santiago, empreendedor nascido no Morro do Alemão, foi um dos primeiros a divulgar o encontro dos corpos por meio de transmissões ao vivo em suas redes sociais.
“Essa é a face da cidade maravilhosa, capital latino-americana em turismo. Eu amo minha cidade, estado e favela, mas há momentos em que a desigualdade se manifesta, o poder direciona seu ódio e demonstra isso da forma mais brutal para quem vive em nossas comunidades”, lamentou.
Ele também afirmou que, apesar da sua realidade incluir frequência em cenas com corpos baleados ou mutilados, nunca se acostumará ao choro das mães diante dos corpos dos filhos.
Na terça-feira (28), dia da operação, foram confirmados 64 mortos, incluindo quatro policiais. Porém, moradores retiraram pelo menos outros 70 corpos de áreas de mata: seis no Complexo do Alemão que foram deixados no Hospital Estadual Getúlio Vargas, e 64 no Complexo da Penha, reunidos em praça pública antes de serem recolhidos pelo Corpo de Bombeiros.
Se não houver sobreposição, e considerando vítimas exclusivamente da operação, o total de mortos pode ultrapassar 130.
Santiago afirmou que o fato de haver execuções e mortes de policiais expõe a ineficiência ou, pior, a forma como a política de segurança pública do Rio é planejada para lidar com algumas vidas.
“Da favela para dentro, são tiros, violência, invasões, chacina e massacre. Em outros locais, o tratamento é quase vip”, criticou.
O presidente da ONG Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, que também acompanhou a retirada dos corpos, pediu a responsabilização do governador Cláudio Castro e ressaltou que o episódio tem semelhanças com outros transtornos semelhantes já ocorridos no estado.
“O que há de novo neste massacre é apenas sua extensão e o número de mortos. A política de segurança pública que destrói a vida dos moradores de comunidades permanece inalterada há décadas”, afirmou.
Ele questionou a falta de vontade política para implementar medidas já apontadas como necessárias e criticou o discurso de “bandido bom é bandido morto” usado por políticos eleitos.
O governador Claudio Castro tem defendido a megaoperação, explicando que ela foi planejada por seis meses após mais de um ano de investigações, contou com aval do Judiciário e acompanhamento do Ministério Público estadual.
Especialistas consultados pela Agência Brasil criticaram a operação, que causou grande impacto na capital fluminense e não atingiu o objetivo de combater o crime organizado. A professora do Departamento de Segurança Pública da UFF, Jacqueline Muniz, classificou a ação como amadora e uma “lambança político-operacional”.
Movimentos populares e de favelas repudiaram a ação policial, afirmando que “segurança não se faz com sangue”. A Federação das Associações de Favelas do Rio (Faferj) divulgou uma carta pública nesta quarta-feira (29) repudiando o chamado “massacre dos Complexos da Penha e do Alemão”.
O documento relata cenas de guerra, execuções sumárias, invasões, impedimento de socorro a feridos e suspensão de direitos básicos, afirmando que não são incidentes isolados, mas a expressão de uma política de segurança falida e genocida, que trata moradores das favelas como cidadãos de segunda categoria.
A Faferj manifestou indignação por acreditar que a vida dos moradores é tratada como “dano colateral” em operações que, sob o pretexto de combater o crime, provocam terror, luto e trauma coletivo.
A entidade aponta que a política atual aprofunda o abismo social, naturaliza a violência estatal e perpetua um ciclo de morte que interessa ao projeto de extermínio da população pobre e negra.
Além do repúdio, a Federação reivindica a desmilitarização das abordagens policiais e a construção de uma nova política de segurança baseada no cuidado e na garantia de direitos.
Defendem ainda que um sistema funcional deve incluir políticas de educação com escolas em tempo integral, lazer com espaços culturais, e medidas para emprego, renda e moradia, incluindo saneamento básico, urbanização e regularização fundiária.
Segundo a Faferj, segurança se faz com presença do Estado, políticas sociais e vida digna, não com invasão policial, políticas de morte e luto permanente.
A reportagem foi atualizada às 13h17 para acrescentar a nota de repúdio da Faferj.
Créditos: Agência Brasil