Cultura
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Morre aos 82 anos o músico Jards Macalé, ícone da MPB e tropicalismo

Faleceu nesta segunda-feira (17) o músico Jards Macalé, aos 82 anos. Ele estava internado desde 1º de novembro no hospital da Unimed da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Macalé enfrentava complicações pulmonares e sofreu uma parada cardíaca fruto de uma infecção generalizada e insuficiência renal.

Sua equipe anunciou a morte nas redes sociais, lembrando que ele chegou a acordar de uma cirurgia cantando “Meu Nome é Gal”, demonstrando a energia e bom humor que sempre teve.

Caetano Veloso lamentou a perda: “Sem Macalé não haveria ‘Transa’. Estou chorando porque ele morreu hoje. Foi meu primeiro amigo carioca da música.” Ele relatou que foi levado à casa de Macalé por Álvaro Guimarães para montar um curta, encantando-se com seu violão. Caetano o convidou para Londres e trabalharam juntos no álbum “Transa”. Caetano ressaltou o apreço pela essência do músico e seu legado.

Uma das últimas apresentações de Macalé foi no festival Doce Maravilha, no fim de setembro. Ali, emocionou o público com canções do disco homônimo de 1972, lançado em plena ditadura militar. Letras como “não me calo”, “já comi muito da farinha do desprezo” e “também posso chorar” continuam atuais quando cantadas por jovens.

Em 2023, Macalé lançou “Coração Bifurcado”, álbum com participações de Maria Bethânia e Ná Ozzetti. Com 12 faixas, o trabalho abordava formas diversas do amor. Segundo ele, diante do cenário de conflito familiar e social, era hora de retomar o amor como gesto político.

Em seu disco “Besta Fera” (2019), Macalé retratou o governo de Jair Bolsonaro como período sombrio. Em seguida, dedicou-se à pacificação do país dividido ideologicamente, sentindo-se confiante após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023.

Nascido na Tijuca, passou a juventude entre Copacabana e Ipanema. Afinou vínculo com Nara Leão, que uniu bossa nova à música dos morros, acompanhando-a ao violão em shows na Lagoa.

Segundo o biográfico “Eu Só Faço o que Quero”, de Fred Coelho, Macalé, embora tenha pertencido a grupos, sempre buscou fundar sua própria linguagem artística. Na era dos festivais, esteve deslocado diante da poética viniciana.

Nos anos 1970, foi figura-chave na eletrificação da música brasileira, com sucessos como “Só Morto” e “Hotel das Estrelas”. Embora não se considerasse tropicalista, colaborou com o movimento. Enquanto Caetano e Gil estavam exilados, trabalhou com Gal Costa, produzindo seu disco “Legal” e compondo músicas como “Mal Secreto” e “Vapor Barato” em parceria com Waly Salomão.

Em 1971, convocado por Maria Bethânia, foi diretor musical do álbum “Transa”, gravado em Londres. Macalé tocou violão na faixa “Nine Out of Ten”, que narra passeio pela comunidade jamaicana em Portobello Road, onde conheceu o reggae.

Macalé relatou à Folha a troca cultural com músicos locais, aprendendo a batida do reggae e ensinando a do samba.

Seu disco mais importante é o autointitulado de 1972.

Além da música, Macalé atuou no cinema, teatro, televisão e artes visuais, compondo trilhas para filmes de Nelson Pereira dos Santos, como “O Amuleto de Ogum” e “Tenda dos Milagres”. Trabalhou com artistas contemporâneos como Lygia Clark e Hélio Oiticica.

A relação com Oiticica é tema do documentário “Macaléia” (2023), que apresenta suas obras experimentais e a obra que Oiticica criou para Macalé em 1978, um ‘penetrável’ que permite a entrada do público.

Com o poeta José Carlos Capinam, criou “Gotham City”, apresentada no 4º Festival Internacional da Canção (1969). A música critica a repressão da época com versos marcantes que o público repetia.

Conhecido como artista “maldito” pela ruptura de padrões, Macalé teve sua influência sobre a música brasileira reconhecida, abandonando o rótulo.

Preferia ser chamado de “Anjo Torto”, figura que aparece em sua música “Let’s Play That” (1972), referenciando poema de Carlos Drummond de Andrade.

Jards Macalé deixa a esposa, a cineasta Rejane Zilles.

Créditos: Folha de S.Paulo

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