Análise aponta contradições legais em possíveis ações militares dos EUA contra Venezuela
As crescentes ameaças dos Estados Unidos contra a Venezuela têm elevado as expectativas sobre uma possível ação militar iminente. Ao mesmo tempo, o presidente Donald Trump intensifica a pressão sobre o regime de Caracas, reafirmando sua influência no Hemisfério Ocidental.
Cada declaração pública do presidente aumenta o risco de os EUA caminharem para um confronto militar, o que seria uma grande aposta política dado o descontentamento do povo americano com novas guerras no exterior. A controvérsia também cresce diante de dúvidas quanto à legalidade de qualquer ação em território venezuelano e alertas sobre ataques letais americanos a embarcações suspeitas de narcotráfico no Caribe, que podem ter violado as leis da guerra.
Comissões do Congresso anunciaram que realizarão uma análise bipartidária rigorosa dos ataques recentes, um procedimento raro no segundo mandato de Trump. Em um movimento durante o feriado de Ação de Graças, o presidente aparentou enfraquecer a justificativa contra os cartéis ao conceder um indulto a Juan Orlando Hernández, ex-presidente hondurenho preso nos EUA por tráfico de cocaína.
No Dia de Ação de Graças, Trump alimentou expectativas de conflito ao afirmar que os EUA “muito em breve” agiriam por terra para combater as redes de narcotráfico. No sábado (29), declarou que o espaço aéreo venezuelano, país rico em petróleo mas empobrecido, deveria ser considerado fechado. Uma frota americana está posicionada no Mar do Caribe, próxima à Venezuela, liderada pelo porta-aviões USS Gerald R. Ford.
Autoridades governamentais desenvolveram argumentos jurídicos para justificar ações contra narcotraficantes na região, mas críticos afirmam que tais argumentos não cumprem os critérios legais e constitucionais necessários. Apesar da possível iminência de um conflito, as justificativas públicas e evidências para o envio de tropas americanas ainda não foram apresentadas.
Há especulações de que o aumento das forças e ameaças possa ser parte de uma campanha de pressão para forçar a renúncia do presidente Nicolás Maduro ou estimular sua remoção por meios internos. Outra hipótese é que essa postura reflita a visão do governo Trump de que há poucas barreiras políticas, morais e legais para agir conforme sua vontade.
Mesmo que o cenário seja um blefe para provocar uma mudança pacífica, o governo terá que decidir como proceder caso essa estratégia falhe. A autoridade do presidente poderia ser significativamente afetada se ele retirar as tropas enquanto Maduro permanecer no poder.
No domingo (30), Trump confirmou ter falado recentemente com Maduro por telefone, mas não forneceu detalhes sobre a ligação. Ele declarou simplesmente: “Não quero comentar; a resposta é sim. Não diria que foi bem ou mal. Foi um telefonema.”
Uma nova guerra ou ação militar no exterior contradiria a política externa de Trump, que busca evitar novos confrontos fora dos EUA. Pesquisas indicam que a maioria dos americanos rejeita um ataque à Venezuela. Um levantamento da CBS News do mês passado apontou que 76% das pessoas discordavam da explicação de Trump sobre o país, e apenas 13% o viam como grande ameaça à segurança nacional.
Historicamente, envolvimentos militares americanos foram precedidos por esforços para preparar o público e obter apoio, como antes da invasão do Iraque em 2003. Contudo, até o momento, o governo ofereceu poucas explicações além de comentários vagos sobre combate aos cartéis, alguns deles possivelmente exagerando o papel venezuelano no tráfico.
Apesar disso, muitos venezuelanos provavelmente não lamentariam a saída de Maduro, após anos de repressão, pobreza e migração em massa, inclusive para os EUA. Alguns cenários indicam que a remoção de Maduro poderia beneficiar a política externa americana e a região, embora haja pouca clareza governamental sobre planos pós-eventuais ações militares, um problema que causou desastres em intervenções anteriores.
Analistas alertam para riscos de caos e violência em uma Venezuela fragmentada, que poderia agravar a crise migratória regional. O senador Markwayne Mullin defendeu Trump na CNN, dizendo que o presidente convidou Maduro a deixar o poder e protege os EUA contra narcotraficantes. Mullin afirmou que Trump deixou claro que não enviaria tropas, mesmo que isso não tenha sido descartado publicamente pelo presidente.
A controvérsia aumentou após relatos, pela jornalista Natasha Bertrand da CNN, de um ataque americano em 2 de setembro a uma embarcação suspeita de tráfico, que teria ocorrido em duas fases, a segunda atingindo sobreviventes. Especialistas e legisladores expressaram preocupação por possível violação das leis dos conflitos armados, que proíbem matar combatentes fora de combate.
Detalhes dos ataques foram inicialmente trazidos pelos jornais The Intercept e The Washington Post. O secretário de Defesa, Pete Hegseth, defendeu a legalidade das ações, afirmando que os traficantes foram designados terroristas pelo governo americano.
Críticos de Trump argumentam que o presidente conduz uma guerra sem autorização do Congresso, violando direitos legais das vítimas. O senador democrata e ex-piloto Mark Kelly expressou preocupação sobre os ataques e afirmou que não teria dado a ordem para o segundo ataque se os relatos forem verdadeiros.
Kelly foi advertido pelo Pentágono por um vídeo em que destacou que militares não devem obedecer ordens ilegais, e parlamentares afirmam que Trump os acusou de comportamento sedicioso, algo negado posteriormente pelo presidente.
As comissões do Congresso prometem rigorosa supervisão das operações no Caribe. A inquietação aumentou também pelo anúncio de um indulto de Trump a Juan Orlando Hernández, condenado nos EUA por tráfico de drogas, apenas um ano após início da sentença.
O ex-presidente hondurenho foi considerado chefe de uma das maiores organizações criminosas já julgadas nos EUA. O indulto ameaça a justificativa de Trump contra Maduro, a quem acusa dos mesmos crimes. O senador Tim Kaine questionou a sinceridade da luta ao narcotráfico dadas as ações presidenciais.
Trump defendeu a inocência de Hernández, dizendo que a condenação foi uma “armação de Biden” e sugeriu que presidentes não devem ser julgados por atos cometidos no cargo.
Mullin vê o indulto como gesto de boa-fé e apoia a abordagem externa do presidente. A concessão ocorreu pouco antes das eleições em Honduras, quando Trump também manifestou apoio a Nasry “Tito” Asfura, candidato do mesmo partido de Hernández.
O republicano ameaçou não trabalhar com outro presidente que não Asfura, numa tentativa de influenciar o pleito. Trump já havia usado seu poder para apoiar líderes similares no hemisfério, incluindo imposição de tarifas ao Brasil e ajuda condicionada à Argentina.
O presidente americano também mantém relações próximas com Nayib Bukele, de El Salvador, e entra em conflito com o presidente de esquerda colombiano, Gustavo Petro.
Embora existam razões legítimas para estreitar laços com líderes latino-americanos, principalmente para conter a influência da Rússia e China, preocupa-se se Trump está disposto a usar a força militar para impor seu regime desejado na Venezuela.
Créditos: CNN Brasil