Presos presidente da Alerj e desembargador por ligação com Comando Vermelho
Nos últimos quatro meses, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União), o deputado estadual TH Joias (MDB) e o desembargador Macário Ramos Júdice Neto foram presos no Rio de Janeiro, com autorização do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Eles são acusados de beneficiar, de forma direta ou indireta, as atividades do Comando Vermelho (CV), uma das principais facções do tráfico de drogas no país.
As defesas de Bacellar e Macário afirmam que eles são inocentes. Bacellar nega ter atuado para obstruir as investigações, enquanto Macário afirma não ter encontrado Bacellar antes da operação, nem tratado do caso. O advogado de TH Joias informou não ter tido acesso à decisão judicial.
As investigações seguem e podem alcançar outros níveis de poder no Estado do Rio, conforme avaliação do sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (Geni/UFF).
Casos de políticos com relações próximas a criminosos não são inéditos no Rio de Janeiro. Em 2009, a CPI das milícias mostrou que vereadores e deputados estaduais colaboravam com grupos paramilitares. O estado já teve cinco ex-governadores presos, todos por corrupção ou irregularidades administrativas.
Outros casos ganharam destaque, como a deputada Flordelis, acusada de matar o marido, o vereador Jairinho, investigado pela morte de seu enteado Henry Borel, e Chiquinho Brazão, suspeito de ser mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco. Recentemente, a ex-deputada Lucinha virou ré por envolvimento com milícias.
Porém, até agora, nenhum político havia sido indiciado por suspeita de ligação com o Comando Vermelho.
“O que é novidade é que, no Rio, as investigações costumavam focar nos escalões mais baixos, como policiais que vazavam informações a criminosos”, explicou Hirata. “Agora, estamos falando de um deputado estadual, um desembargador de segunda instância e o presidente da Alerj.”
Até o momento, as investigações apontam TH Joias como membro do grupo criminoso. A decisão do STF indica que o vazamento de informações pode ser um esforço de Bacellar para proteger outros “agentes políticos” ligados ao CV e preservar seus vínculos com a facção.
Até pouco antes, Bacellar era um dos principais aliados do governador Cláudio Castro (PL) e influenciava decisões relacionadas à segurança pública.
A origem do caso remonta à prisão de TH Joias, em setembro, na Operação Zargun. Criado na Zona Norte do Rio, TH ficou conhecido por vender joias para celebridades, mas as autoridades afirmam que ele movimentava dinheiro ilegalmente.
Em 2017, TH foi acusado de lavagem de dinheiro para o Terceiro Comando Puro (TCP), rival do CV, e teve prisão preventiva decretada.
Em 2024, ele declarou que as acusações estavam sendo esclarecidas na Justiça, afirmando que seu nome foi indevidamente ligado a fatos incompatíveis com sua trajetória.
Apesar das suspeitas, TH conseguiu mais de 15 mil votos na eleição de 2022 e tornou-se segundo suplente de deputado estadual pelo MDB.
Em maio de 2024, assumiu o mandato na Alerj após renúncias internas.
Em menos de um ano, a Polícia Federal o acusou de ser membro importante do CV, envolvido em lavagem de dinheiro, compra de armas e drones, e reuniões diretas com a cúpula da facção.
A PF indicou que ele circulava facilmente em ambientes institucionais e tinha relações políticas consolidadas, mesmo sendo integrante de uma organização criminosa.
No dia da operação contra TH Joias, o governador Cláudio Castro demitiu Rafael Picciani da Secretaria de Esportes, que reassumiu o mandato e retirou TH do cargo, impedindo que a Alerj analisasse a manutenção ou cassação do mandato do preso.
Essa manobra chamou atenção do ministro Alexandre de Moraes, que mencionou o episódio na decisão que levou à prisão de Bacellar.
De acordo com a Polícia Federal, essa estratégia visava desvincular a imagem da Alerj de TH Joias, que era aliado político e presença constante nos poderes Executivo e Legislativo.
A PF descobriu no celular de TH Joias que Bacellar sabia da operação contra ele e o alertou, orientando-o a remover bens de sua casa.
Durante a entrada da polícia em outro imóvel, TH enviou fotos e vídeos das câmeras de segurança, segundo as investigações.
Bacellar não comunicou nenhuma autoridade sobre o mandado de prisão, mesmo ciente da investigação.
Em 3 de dezembro, Bacellar foi preso e alvo de busca e apreensão.
Fontes da Alerj relataram surpresa com o caso, mas ressaltam que TH havia conquistado a confiança de diversos deputados e se integrado ao grupo.
Bacellar ficou preso cinco dias e foi liberado em 8 de dezembro, com condições como deixar a presidência da Alerj, isolamento domiciliar, proibição de contato com investigados, uso de tornozeleira eletrônica e restrições ao porte de armas e passaportes.
Fontes observam que existem diferentes níveis de comprometimento entre os deputados, alguns próximos e provavelmente cientes da relação com TH, outros não.
Na Alerj, tudo funciona com acordos e influência política, onde comissões e cargos são distribuídos conforme votos e alianças.
A assessoria da Alerj não respondeu aos pedidos de comentário sobre as declarações.
As buscas em celulares revelaram que o desembargador Macário Ramos Júdice Neto foi responsável pelo vazamento da Operação Zargun que prendeu TH Joias. Ele era o relator do processo no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).
Júdice já foi investigado por venda de sentenças e envolvimento com bicheiros, ficando afastado por cerca de 18 anos antes de ser reintegrado ao Judiciário.
Mensagens indicam grande proximidade entre Júdice e Bacellar, que se tratavam como “irmãos” e manifestavam afeto mútuo.
Bacellar nomeou para cargo na Alerj a esposa de Júdice, Flávia Ferraço Júdice, e Júdice indicou Rodrigo Tassari para seu gabinete, que também foi nomeado por Bacellar para cargo no governo estadual.
No celular de Bacellar, foi registrado um encontro com Júdice um dia antes da operação contra TH Joias.
Rodrigo Bacellar teve uma rápida ascensão na Alerj após ser eleito em 2018 pelo Solidariedade.
Foi indicado relator em processos importantes, como o impeachment do ex-governador Wilson Witzel.
Com o governo de Cláudio Castro, ocupou o cargo de secretário de Estado de Governo e indicou diversas nomeações para o Executivo.
Em 2023, reeleito, tornou-se presidente da Alerj e influenciou a escolha do chefe da Polícia Civil, Marcus Amim, alterando lei que reduziu os requisitos para o cargo.
Sindicatos de policiais criticaram a nomeação, alegando que havia interferência política na indicação.
Bacellar negou interferência, mas nomeou Amim para a Superintendência Militar da Alerj após sua exoneração da polícia civil.
A decisão do STF evidencia a influência de Bacellar nas decisões do governo de Castro, especialmente no Poder Executivo, com nomeações em áreas sensíveis como Polícia Militar e Polícia Civil.
Castro considerava Bacellar seu sucessor e indicou Thiago Pampulha para o Tribunal de Contas do Estado, o que deixaria Bacellar como governador interino quando Castro se afastasse para tentar o Senado.
Na ausência de Castro, Bacellar demitiu o secretário de transportes Washington Reis, que apoiava um adversário político na disputa pelo governo estadual.
Além de Bacellar, as investigações apontam a prisão do subsecretário estadual Alessandro Pitombeiro Carracena, suspeito de repassar informações para o CV sobre operações policiais.
A defesa de Carracena afirmou que as acusações são baseadas apenas em mensagens de terceiros e sem evidências concretas.
A investigação cita tentativas do CV de cooptar Gutemberg Fonseca, secretário de Defesa do Consumidor, que supostamente havia se reunido com membros do CV mas não teria atendido aos pedidos do grupo.
A secretaria disse que qualquer contato foi casual e sem conhecimento do envolvimento ilícito das pessoas.
No último pleito, o vereador Marcos Aquino (Republicanos), irmão de um suspeito do CV, foi preso em operação, apesar de não ser alvo da investigação.
Ele foi detido com uma arma irregular e remédios controlados, mas alegou perseguição política e pagou fiança para deixar a prisão.
Em novembro, a polícia também prendeu o vereador Ernane Aleixo (PL), acusado de auxiliar logisticamente o TCP, rival do CV, com barricadas e suporte. Ele ainda não se pronunciou.
A complexa rede de ligações entre políticos e organizações criminosas refletida nessas prisões revela um desafio persistente na política e segurança do Rio de Janeiro.
Créditos: BBC