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Após vitória de Trump, Brasil vê EUA mais protecionista e teme pela ligação com bolsonarismo

Com a volta do ex-presidente e candidato republicano Donald Trump à Casa Branca, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia que os Estados Unidos devem ficar mais protecionistas e se preocupa pela ligação dele com o bolsonarismo. Aos 78 anos, o bilionário passa a ser o presidente mais velho da história americana ao derrotar a vice-presidente democrata Kamala Harris.

Dias antes das eleições, a leitura do governo brasileiro era de que o protecionismo sairia vencedor das urnas em ambos os cenários, tanto com uma vitória de Trump como de Kamala. No entanto, a proximidade do candidato do Partido Republicano com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) preocupa as áreas econômica, diplomática e o Palácio do Planalto.

O maior acesso da oposição a Lula ao alto escalão da política americana poderia comprometer projetos econômicos de interesse do Executivo, segundo assessores presidenciais. Nas palavras de um técnico da área econômica, “a questão não é o que Trump acha do Lula, mas o que o bolsonarismo diz a Trump o que pensa do Lula”.

Em entrevista ao canal francês TF1 na sexta-feira, Lula chegou a dizer que estaria “torcendo” para a democrata ganhar. Na ocasião, Lula disse que a possível vitória da sucessora de Joe Biden era importante “para o fortalecimento da democracia nos Estados Unidos”.

— Como eu sou amante da democracia, acho que é a coisa mais sagrada que nós humanos conseguimos construir para bem governar nosso planeta, eu obviamente fico torcendo para Kamala Harris ganhar as eleições — declarou.

A vitória de Trump preocupa também sob o ponto de vista econômico. As promessas do republicano de aumentar as tarifas de importação a níveis elevados para proteger os produtores nacionais, e a redução de impostos domésticos, indicando menor capacidade fiscal, são combustíveis para a inflação e os juros americanos. O Brasil e outros países em desenvolvimento seriam diretamente afetados.

Para o governo Lula, a julgar pela postura adotada no primeiro mandato do magnata, ele poderá retroceder num princípio adotado por Joe Biden, junto com os demais países do G20, em defender o crescimento econômico com sustentabilidade. À época, isso foi celebrado pelo Brasil.

Enquanto enxerga um cenário de incertezas nos EUA, o Brasil tenta se fortalecer, aproximando-se de parceiros fortes no cenário internacional. Um deles é a União Europeia (UE).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, viajou na segunda-feira para a Europa, em um roteiro por Paris, Londres, Berlim e Bruxelas (sede da UE). Sua principal missão é de destravar o acordo entre Mercosul e o bloco europeu. A leitura do governo é que o avanço das negociações deixaria o Brasil mais fortalecido no cenário global, em meio à guerra comercial entre EUA e China, especialmente com a vitória de Trump.

O economista Luis Otávio Leal, sócio da G5 Partners, ressalta que Trump é mais nocivo à economia brasileira porque tanto sua política de aumento de tarifas quanto a de redução do número de imigrantes nos EUA são inflacionárias, o que deve reduzir o espaço para a queda dos juros pelo banco central americano (Fed).

— Mais juros nos EUA é dólar forte em termos mundiais, o que reduz a chance de valorização do real. Isso é mais inflação aqui e juros mais altos durante mais tempo por aqui — afirmou Leal em entrevista ao GLOBO.

Ele acredita que a imposição de tarifas pesadas sobre os produtos chineses, em um momento em que a economia da China enfrenta dificuldades, deve reduzir o crescimento do país. Como resultado, cairia a demanda por bens brasileiros, o que também teria impacto sobre o real.

O governo brasileiro espera pragmatismo dos EUA. E trabalhará para reforçar as relações bilaterais, explorando o conceito de que o Brasil é um país barato, não agressivo em sua política externa, neutro em conflitos e sua economia é complementar à americana.

André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online, diz que o resultado da eleição americana trará impactos para a economia global, incluindo a brasileira. A seu ver, há um tema comum ao perdedor e ao vencedor: reduzir o avanço chinês no comércio internacional e fortalecer a produção nacional, para trazer empregos de volta para os EUA. Para isso, o poder do Estado deverá ser usado.

— Contudo, as semelhanças entre os planos param por aí. Trump tende a adotar uma política econômica de caráter mais populista, focando na redução de impostos e na ampliação dos gastos públicos, o que pode reaquecer o debate sobre o déficit fiscal americano. No cenário comercial, Trump tem uma abordagem mais truculenta que Kamala, o que deve gerar maior volatilidade no mercado — afirma.

Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra, acredita que há um certo “consenso bipartidário” sobre os rumos da estratégia de reindustrialização americana, que começou com Trump e se aprofundou com Joe Biden. Citou como exemplo o Inflation Reduction Act (IRA), o maior pacote de recuperação econômica aprovado desde o New Deal (programas implementados nos EUA entre 1933 e 1937), no valor de US$ 1,7 trilhão.

— É um caminho sem volta, tendo em vista a necessidade de os EUA superarem vulnerabilidades que se explicitaram recentemente. O Brasil precisa traçar sua estratégia considerando esse novo cenário geoeconômico mundial, no qual o choque nas cadeias globais de valor e certa regressão na globalização é a realidade.

José Alfredo Graça Lima, experiente embaixador que chefiou importantes negociações internacionais pelo Brasil, acredita que a disputa dos EUA com a China é suprapartidária e a paralisação do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio seguirá de qualquer forma.

— O Brasil seguirá tendo déficit comercial com os EUA e será afetado por eventuais crises em setores sensíveis, como o siderúrgico — diz.

Fonte: O Globo

Foto: LOREN ELLIOTT and Ian Maule