Brasil e EUA iniciam reaproximação após tensão nas relações bilaterais
Após um período de tensão que culminou no pior momento das relações entre Brasil e Estados Unidos em décadas, os governos dos dois países começaram um processo de reaproximação.
O ciclo de trégua teve início com o presidente Donald Trump, que, após encontro com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a Assembleia Geral da ONU em setembro, afirmou ter gostado do brasileiro.
Lula respondeu de forma positiva, e os dois retomaram o contato telefônico. Atualmente, assessores de ambos planejam um encontro presencial entre os presidentes, possivelmente na Malásia, durante uma cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean).
Essa aproximação representa uma mudança na postura de Trump que, em julho, impôs uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros e condicionou a normalização das relações à suspensão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu aliado político. O que motivou essa reversão?
Em entrevista à BBC News Brasil, o ex-embaixador dos EUA no Brasil Thomas Shannon destacou dois fatores principais. O primeiro é o reconhecimento por Trump de que não conseguiria influenciar o processo judicial contra Bolsonaro.
“Trump sabe que sua tentativa de proteger Bolsonaro da prisão e garantir que ele pudesse disputar eleições fracassou”, afirmou o diplomata.
Mesmo com as tarifas impostas e sanções baseadas na Lei Magnitsky contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por golpe de Estado e outros crimes.
O segundo motivo, segundo Shannon, é que Trump foi convencido de que as tarifas prejudicariam empresas e consumidores americanos.
“Acredito que o presidente foi exposto, por meio do setor privado dos EUA, a uma espécie de curso intensivo sobre o impacto dessas tarifas no cotidiano de muitos americanos”, explicou.
Shannon acredita que Trump se sentiu mal informado ou induzido ao erro ao sancionar o Brasil e assumiu a responsabilidade de corrigir essa situação.
“Ao estilo Trump, ele transformou um problema bilateral em um encontro pessoal positivo, usando essa ocasião para mudar o tom da conversa entre os países. Isso é um movimento muito inteligente na diplomacia”, ressaltou.
Por outro lado, o diplomata não acredita que a reaproximação resulte na reversão das sanções contra ministros do STF e outras figuras políticas. Ele indica que as negociações entre os EUA e o Brasil devem focar em questões econômicas.
Thomas Shannon, diplomata de carreira que foi embaixador dos EUA no Brasil entre 2009 e 2013, ocupou também altos cargos na chancelaria americana e atualmente atua como assessor sênior de Política Internacional em um escritório de advocacia americano contratado pelo governo brasileiro para tentar reverter as tarifas. Por questões contratuais, ele não comentou detalhes dessa atuação.
Em entrevista, Shannon avaliou positivamente os gestos recentes que indicam a intenção dos presidentes de fortalecer a relação, avaliando o momento como “muito positivo”.
Shannon explicou que, embora o encontro entre Trump e Lula na ONU tenha sido um fator, o principal motivo da mudança foi a percepção do impacto negativo das tarifas para empresas e consumidores americanos, além da constatação de que o Brasil não cederia sobre o julgamento de Bolsonaro.
Ele afirmou que os pedidos de Trump para anular o julgamento foram abandonados após a clara posição das instituições brasileiras e observou que Bolsonaro não foi mencionado nas conversas entre Trump e Lula, evidenciando o fracasso da tentativa de Trump de protegê-lo.
Questionado sobre a continuidade da amizade entre Trump e Bolsonaro, Shannon disse que o ex-presidente americano valoriza a lealdade, mas reconhece que não pode mais oferecer ajuda judicial a Bolsonaro.
Sobre a influência econômica, o diplomata ressaltou que o Brasil tem presença significativa e muitas vezes invisível no dia a dia dos americanos, presente em alimentos, transporte aéreo regional e diversas cadeias produtivas, o que levou Trump a reavaliar o impacto das tarifas.
Shannon acredita que Trump buscará reduzir ou retirar as tarifas, mas não espera mudanças nas sanções do tipo Magnitsky ou revogação de vistos por ora.
Ele também destacou que a decisão do presidente de designar Marco Rubio para liderar as negociações com o Brasil reforça a importância da questão econômica, apesar de preocupações políticas existentes dentro do governo americano.
Sobre a atuação do setor privado na reaproximação, o diplomata destacou que empresas americanas e brasileiras com forte presença nos EUA tiveram papel importante em informar Trump sobre os efeitos negativos das tarifas.
Shannon interpretou que a maior visibilidade do Brasil na agenda dos EUA reflete uma mudança de entendimento do governo americano, motivada em parte pelo avanço da China na região e pelo custo político das tarifas para Trump internamente.
Questionado sobre a possibilidade de o Brasil oferecer minerais estratégicos como contrapartida para a reversão das tarifas, o diplomata afirmou que isso colocaria o Brasil em posição de força nas negociações, dada a importância desses recursos para a indústria do século 21.
A entrevista também abordou a deterioração das relações entre EUA e Venezuela, com Shannon afirmando que os temas são independentes e que um eventual ataque militar dos EUA na Venezuela seria justificado como operação antidrogas, mas não se espera aceitação da América Latina para ações visando mudança de governo.
Por fim, Shannon avaliou que o Brasil agiu corretamente durante a crise, resistindo a interferências externas no processo criminal e eleitoral, e que a reaproximação atual pode permanecer mesmo diante de divergências políticas, desde que focada na economia.
Créditos: BBC