Brasil investiga casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas
Autoridades brasileiras estão investigando se a contaminação de bebidas alcoólicas com metanol está relacionada a cinco mortes e 22 casos de intoxicação no Estado de São Paulo.
O governo de Pernambuco informou que apura três possíveis casos semelhantes.
Surtos parecidos ocorreram em outros países, frequentemente com muitos pacientes, altas taxas de fatalidade e sérias consequências para os contaminados.
Na Líbia, em 2013, mais de mil pessoas foram internadas por intoxicação por metanol, com 101 mortes. Em 2014, o Quênia registrou dois surtos com 467 casos e 126 mortes, uma taxa de fatalidade superior a 26%.
Outro surto no Quênia, em 2000, causou pelo menos 140 mortes e 400 internações, resultando em 20 cegueiras permanentes. Na Rússia, mais de 70 pessoas morreram em dezembro de 2016.
O médico norueguês Knut Erik Hovda, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que há mais de 20 anos estuda intoxicações por metanol, explicou que a principal ação das autoridades diante de casos emergentes é conscientizar a população.
“É fundamental informar as pessoas sobre os casos e alertar para que tenham cuidado com o que consomem, além de procurarem atendimento médico caso apresentem sintomas”, afirmou Hovda.
O metanol é conhecido como um “assassino silencioso” porque os sintomas demoram a surgir e os contaminados frequentemente não percebem o risco imediato.
“Os sintomas costumam aparecer um ou dois dias após a ingestão, tornando difícil associar o problema ao que foi consumido”, esclareceu o médico.
Além disso, esses sintomas são comuns a várias outras doenças, dificultando o diagnóstico sem exames laboratoriais.
Os sintomas iniciais incluem desconforto gástrico, dor de estômago e no peito, hiperventilação e dificuldade para respirar. Também podem surgir sintomas parecidos com uma ressaca muito intensa, iniciando mais de 12 horas após beber.
Com o avanço da intoxicação, ocorrem distúrbios visuais que vão da visão turva à cegueira completa.
O diagnóstico definitivo só é possível em hospitais com exames específicos, por isso a recomendação é buscar atendimento médico imediatamente ao notar sintomas suspeitos.
Em resposta a essa gravidade, a Médicos Sem Fronteiras elaborou protocolos internacionais e produz vídeos educativos para orientar populações e profissionais de saúde em regiões afetadas.
Hovda ressaltou que a maioria dos pacientes pode se recuperar se iniciar o tratamento nas primeiras 24 horas após o início dos sintomas, com muitos ainda sendo salvos entre 48 e 72 horas.
O tratamento pode incluir a administração controlada de álcool, que atua como antídoto, impedindo a metabolização do metanol em ácido fórmico, a substância nociva.
Para isso, mantém-se níveis constantes de álcool no sangue enquanto o metanol é eliminado por outras vias, geralmente acompanhado de hemodiálise para filtrar o sangue.
Em ambientes com recursos limitados, pode-se usar qualquer tipo de álcool disponível, inclusive cerveja, vinho ou álcool para limpeza, e esse tratamento pode durar até sete dias.
Existe outro antídoto chamado fomepizol, considerado mais eficaz e com menos efeitos colaterais, porém custa cerca de 1 mil euros por dose e não está registrado no Brasil.
O ministro da Saúde brasileiro anunciou estudo para criar reserva estratégica do fomepizol diante da falta de interesse da indústria farmacêutica em produzi-lo.
No país, cerca de 30 centros de referência utilizam etanol farmacêutico no tratamento da intoxicação.
As investigações não identificaram ainda a origem do metanol nas bebidas contaminadas, considerando contaminação na embalagem ou adulteração deliberada para redução de custos.
Hovda destacou que, na maior parte dos surtos estudados, o problema está ligado a bebidas adulteradas com metanol.
O uso do metanol se expandiu globalmente, inclusive como combustível para pequenas embarcações, o que abateu seus custos e facilitou seu uso ilícito para adulterar bebidas alcoólicas.
O metanol é difícil de detectar, pois se mistura ao álcool etílico sem alterar cor, cheiro ou sabor, ao contrário da água e de outros diluentes que se separam e podem ser percebidos.
No Brasil, o uso do metanol é regulado rigorosamente com registro obrigatório para movimentação e armazenamento devido à toxicidade, risco de adulteração e perigos para a saúde e segurança pública, conforme a Agência Nacional do Petróleo.
Créditos: BBC