Câmara aprova isenção do IR para até R$ 5 mil e protege agro no tributo aos ricos
A proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para isentar do Imposto de Renda pessoas que recebem até R$ 5 mil mensais, ao mesmo tempo em que aumenta a tributação para contribuintes com renda anual superior a R$ 600 mil, foi aprovada nesta quinta-feira (1º/10) na Câmara dos Deputados por unanimidade. Agora, o projeto aguarda análise no Senado.
O texto aprovado, elaborado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), trouxe alterações pontuais na proposta inicial do governo. Uma dessas mudanças, pouco destacada, protege produtores rurais de alta renda do aumento dos impostos destinado aos mais ricos, conforme análise de especialistas consultados pela BBC News Brasil.
Economistas estimam que essa modificação, se mantida no Senado, evitará que fazendeiros paguem entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões em impostos por ano.
Antes da alteração, o governo previa arrecadar R$ 34 bilhões com o aumento da tributação sobre os mais ricos, incluindo a criação de um imposto mínimo de até 10% para rendas anuais acima de R$ 600 mil e a taxação de dividendos enviados ao exterior.
Esse incremento na receita tem como objetivo compensar a redução dos impostos para os que ganham menos. O projeto prevê a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil por mês e redução da taxação para quem recebe até R$ 7 mil, o que representa uma diminuição da arrecadação de quase R$ 26 bilhões, segundo a Receita Federal.
Sob forte pressão do governo e sua base aliada no Congresso por justiça tributária desde julho, Lira, relator do projeto na Câmara, preservou a essência da proposta, mantendo a isenção de IR para renda até R$ 5 mil e ampliando a faixa de renda com redução parcial para até R$ 7.350 mensais, alteração que deve representar uma renúncia fiscal adicional de aproximadamente R$ 1 bilhão, conforme o Sindifisco, sindicato dos auditores-fiscais da Receita Federal.
Durante a comissão especial que aprovou o projeto em julho, Lira chegou a considerar uma redução da alíquota do imposto mínimo para os mais ricos, mas decidiu manter o patamar de até 10%, reconhecendo o impacto das críticas sobre a proteção aos muito ricos.
No entanto, o relator também ajustou a aplicação da alíquota, reduzindo a taxação para grandes contribuintes ligados ao setor rural.
A proteção ao agro, setor com forte bancada no Congresso, foi incorporada ao excluir a parcela da renda relativa à atividade rural que é isenta do cálculo para o imposto mínimo, evitando que parte dessa renda que atualmente não paga impostos passe a ser tributada para contribuintes de alta renda.
O Sindifisco aponta que, em 2022, contribuintes com ganhos superiores a R$ 600 mil declararam R$ 61,8 bilhões em renda rural isenta. Excluir esse montante da base tributável do imposto mínimo evita um pagamento adicional de R$ 4,1 bilhões por ano, em comparação à proposta inicial.
Apesar de criticar esse alívio ao setor agropecuário, o presidente do sindicato, Dão Real, elogiou que o imposto mínimo para os mais ricos tenha sido mantido.
O Sindifisco também defende a correção da tabela do IR pela inflação passada, o que beneficiaria ainda mais a classe média. O sindicato apresentou ao Congresso uma proposta para o imposto mínimo aumento da alíquota até 15%, ajudando a cobrir a desoneração dos que ganham menos.
O economista Sérgio Gobetti, do IPEA, calculou que a proteção ao agro pode reduzir a arrecadação em cerca de R$ 3 bilhões. Ele destaca que essa mudança favorece produtores rurais pessoa física de alta renda, enquanto grandes produtores que operam como empresas não são afetados.
A parte da renda rural que fica isenta refere-se ao faturamento declarado por produtores pessoa física que adotam o lucro presumido, modalidade na qual apenas 20% do faturamento é considerado lucro e os demais 80% são presumidos como custo, sem necessidade de comprovação.
Pela proposta inicial do governo, essa parcela isenta deveria ser tributada pelo imposto mínimo quando o rendimento anual ultrapassa R$ 600 mil. A alteração aprovada evita essa cobrança para o setor rural.
Em entrevista, o ministro da Fazenda Fernando Haddad declarou que o parecer de Lira representa um grande avanço e espera boa receptividade no Senado. Ele mencionou que a alíquota efetiva média do IR para quem ganha acima de R$ 1 milhão por ano é atualmente de 2,5%, e com o imposto mínimo esse percentual subiria para 10%.
A BBC News Brasil buscou esclarecimentos junto à Frente Parlamentar da Agropecuária e à assessoria de Arthur Lira sobre a proteção ao setor, mas não obteve respostas.
No relatório, a única referência ao tema atribui ao advogado Leonardo Aguirra de Andrade, professor de Direito Tributário, ouvido na comissão especial a pedido da deputada Tabata Amaral. Andrade recomendou maior clareza na tributação das rendas rurais, sugerindo que a parcela atualmente isenta fosse tributada.
Andrade afirma que a regra que permite aos produtores rurais pessoa física pagar IR sobre apenas 20% do faturamento é um privilégio legalizado em 1990 pelo lobby do agro. Ele destaca que, ao contrário das empresas, para produtores rurais não há limite de faturamento para optar pelo lucro presumido, e cita casos de produtores com faturamento entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões.
Segundo Andrade, o projeto aprovado é tímido na captação de rendas não tributadas, pois a força do agro prevalece na preservação dessas isenções.
Reportagem da BBC com dados inéditos do Sindifisco revela que os super-ricos brasileiros pagam proporcionalmente menos IR que a classe média, com a carga tributária dos mais abastados caindo quase 40% entre 2007 e 2023, em parte devido ao não pagamento de impostos sobre dividendos desde 1996.
Por outro lado, a classe média tem pago mais impostos devido ao congelamento da tabela do IR, defasada pela inflação.
Desde 2009, os milionários pagam menos IR proporcionalmente do que a classe média, e a diferença entre os grupos tem crescido.
Com aprovação da proposta, milionários passarão a pagar em média uma alíquota semelhante à da classe média.
Dados do Sindifisco indicam que, em 2023, contribuintes com renda superior a 320 salários mínimos mensais (R$ 5,068 milhões anuais) pagaram alíquota média efetiva de IR de 4,34%, menos da metade da alíquota média paga por pessoas que ganham entre 5 e 30 salários mínimos.
Em 2007, esses grupos apresentavam alíquotas próximas, com os mais ricos tributados um pouco mais.
Inicialmente, o Ministério da Fazenda planejava uma reforma ampla do Imposto de Renda, mas diante das dificuldades, optou pelo imposto mínimo para tributar rendas até então isentas dos mais ricos.
O novo imposto terá alíquota progressiva de 0% para rendas até R$ 600 mil, subindo até 10% para rendas superiores a R$ 1,2 milhão, e o contribuinte pagará apenas a diferença entre sua alíquota efetiva atual e essa mínima.
Lira destacou que buscou neutralidade tributária, sem ganhos ou perdas de arrecadação.
A proposta original indicava renúncia fiscal de R$ 25,84 bilhões em 2026 devido à isenção e redução do IR em faixas menores, compensada por uma arrecadação prevista de R$ 34,12 bilhões com o imposto mínimo e taxação de dividendos enviados ao exterior.
Lira ampliou a faixa de renda para redução do IR de até R$ 7 mil para R$ 7.350, enfrentando críticas sobre proteção aos super-ricos.
Além disso, o relator determinou que a nova arrecadação extra compensará perdas de estados e municípios causadas pelo aumento da isenção do IR, uma vez que IR pagos por servidores locais ficam retidos com os governos estaduais e municipais.
Se houver excedente de arrecadação, Lira estabeleceu que será usado para reduzir a alíquota da CBS, novo imposto sobre consumo criado pela reforma tributária de 2023, beneficiando principalmente os mais pobres, que destinam grande parte da renda ao consumo.
Créditos: Reuters