Comando Vermelho usa tortura para punir moradores e comparsas no Rio
O relatório da Polícia Civil do Rio de Janeiro revelou que integrantes do Comando Vermelho (CV), alvo de uma megaoperação na cidade, utilizam métodos de tortura para punir moradores e membros do próprio grupo.
Uma das formas de punição envolve uma moradora que foi submetida a banho em banheira de gelo. A polícia apurou que ela é considerada uma “brigona que gosta de arrumar confusão no baile” e que essa seria a “melhor forma” de punição, já que não querem agredir moradores diretamente.
Anteriormente, a prática de raspagem de cabelos das mulheres que brigavam em bailes comunitários era comum. Hoje, conforme o documento da investigação, o banho de gelo tornou-se mais frequente.
Além disso, comparsas suspeitos de delação também são submetidos a tortura. Vídeo obtido pelos investigadores mostra Aldenir Martins do Monte Junior sendo amordaçado, algemado e arrastado por um carro durante cerca de sete minutos para confessar sua participação em uma delação a um grupo rival. Ele está desaparecido desde então, e a polícia acredita que esteja morto.
Espancamento é outra forma de punição utilizada pelo CV. Em um vídeo, um integrante pede que os agressores evitem bater na cabeça para não matar o alvo.
Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, conhecido como BMW, é apontado como responsável por orientar as punições e assassinatos, sendo a principal ligação entre líderes do tráfico no Complexo da Penha. Fagner Campos Marinho, o Bafo, é citado como um dos responsáveis pelas punições.
As agressões são chamadas de “massagens”. Em um vídeo gravado por Fagner, um homem aparece amarrado e ensanguentado, com sinais claros de tortura. Fagner é ouvido dizendo: “deu uma massagem” e questionando “quer morrer logo?”. Em áudio posterior, ele orienta a contratação de alguém para se livrar do corpo.
Após o anúncio de uma recompensa, o Disque Denúncia recebeu 155 ligações relacionadas à operação contra o CV. A maior parte das chamadas foi motivada pelo interesse no valor oferecido, mas as informações não foram suficientes para prender Doca, que segue foragido.
A recompensa de R$ 100 mil é o maior valor já oferecido pela Polícia Civil do Rio para localizar um traficante. Anteriormente, esse montante só havia sido oferecido em 2000 para quem auxiliasse na captura de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.
Doca é apontado como chefe do tráfico no Complexo da Penha, na zona norte do Rio. Preso há 18 anos, ele fugiu em 2017. Possui condenações por tortura, homicídio e tráfico, estando hierarquicamente abaixo apenas de líderes históricos presos, como Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP.
Edgar Alves Andrade, ligado ao grupo, é investigado por mais de 100 homicídios, incluindo crianças. Em outubro de 2023, Doca foi apontado como mandante do assassinato de três médicos e da tentativa de homicídio de um quarto, na Barra da Tijuca. As vítimas participavam de um congresso e foram confundidas com milicianos.
Contra Doca, há mais de 20 mandados de prisão do Tribunal de Justiça do Rio, incluindo casos envolvendo o desaparecimento de três meninos em Belford Roxo, em 2021. Ele teria ordenado a morte de envolvidos nesse crime e é responsabilizado pela tentativa de sequestro do helicóptero do piloto Adonis Lopes.
A investigação da polícia originou a operação mais letal no Rio, que registrou ao menos 121 mortes. A ação foi realizada na terça-feira nos complexos da Penha e do Alemão, com a participação das polícias Civil e Militar e cerca de 2.500 agentes para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão.
Esse número de mortos superou o massacre do Carandiru em São Paulo, em 1992, que deixou 111 detentos mortos. Além disso, nove pessoas ficaram feridas, incluindo moradores e policiais civis e militares.
Moradores localizaram dezenas de corpos numa área de mata na Serra da Misericórdia, no Complexo da Penha. As vítimas foram removidas pela Defesa Civil e o Instituto Médico-Legal do Rio foi fechado para o atendimento exclusivo dos corpos da operação. A Defensoria Pública instalou um posto para auxiliar na identificação das vítimas.
A operação foi planejada durante um ano e teve como foco líderes do CV que controlavam o tráfico em diferentes áreas do estado. Foram apreendidas 118 armas, incluindo 91 fuzis, e 113 pessoas foram presas, incluindo suspeitos de outras regiões. O material coletado segue em análise pelas autoridades de segurança.
Créditos: UOL