Internacional
13:07

Crise na Ucrânia: Plano de Trump pressiona Zelensky e agrava conflitos

A guerra na Ucrânia alcança hoje seu 1.370º dia, registrando um dos momentos mais críticos para os ucranianos desde a invasão russa iniciada em 24 de fevereiro de 2022. O suporte dos Estados Unidos, que é vital para o esforço bélico da Ucrânia e já havia sido reduzido com o governo Trump, corre o risco de ser suspenso por completo.

O ex-presidente Trump exige do presidente ucraniano Zelensky uma resposta ao seu plano de paz de 28 pontos, divulgado na semana anterior, até o dia 27 deste mês. Caso a resposta seja negativa, Trump ameaça interromper totalmente o apoio de inteligência e a venda de armas aos ucranianos.

Esse cenário complicado é agravado por um escândalo de corrupção que envolveu pessoas do alto escalão do governo de Kiev, inclusive um antigo sócio de Zelensky. Tal fato afeta o moral dos ucranianos e diminui a confiança dos europeus, que financiam ativamente o governo e o esforço de guerra do país.

No campo de batalha, o exército russo, após meses de pressão, parece prestes a conquistar Pokrovsk, cidade estratégica com entroncamento rodoviário e ferroviário essencial para a logística ucraniana. A tomada de Pokrovsk facilitaria o avanço russo rumo a outras cidades importantes do Oblast de Donetsk, como Kramatorsk e Sloviansk.

Neste contexto desfavorável, o plano de 28 pontos foi elaborado por Steve Witkoff, enviado de Trump, e Kirill Dmitriev, economista russo próximo a Putin, e apresentado sem participação da Ucrânia ou da Europa, claramente favorecendo os interesses russos em detrimento de Kiev.

O Secretário de Estado americano Marco Rubio reconheceu publicamente o plano como uma iniciativa dos EUA. Apesar do artigo inicial afirmar a confirmação da soberania ucraniana, vários outros pontos negam direitos essenciais do país.

O plano estipula limitações severas ao exército ucraniano, proíbe a entrada do país na OTAN, impõe concessões territoriais à Rússia além das já tomadas, obriga a cessão de metade da energia da usina nuclear de Zaporizhzhia à Rússia e exige anistia total para todos os envolvidos no conflito, proibindo futuras reivindicações ou denúncias.

Essas cláusulas violam a soberania da Ucrânia e premiam a Rússia pela agressão, consolidando ganhos territoriais obtidos pela força. Caso o acordo seja ratificado nesses termos, os EUA reconheceriam a posse russa da Crimeia, Luhansk, Donetsk e partes de Zaporizhzhia e Kherson.

Isso criaria um precedente perigoso para o sistema internacional, enfraquecendo o princípio da ONU que proíbe o uso da força contra a integridade territorial ou independência política dos Estados.

Ao impedir a entrada da Ucrânia na OTAN, o plano aceita tacitamente que o país está na esfera de influência russa, negando-lhe o direito de firmar acordos de segurança independentemente.

Essa lógica não é exclusiva do leste europeu e reflete uma prática histórica de grandes potências em reivindicar zonas de influência, como exemplificado pela declaração do Secretário da Guerra dos EUA Pete Hegseth, que chamou a América Latina de “quintal” dos Estados Unidos.

Essa visão remete a uma ordem internacional pré-liberal, próxima do século XIX e da política de poder, similar ao “diálogo meliano” de Tucídides, onde os fortes fazem o que podem e os fracos aceitam seu destino.

O presidente Zelensky reconheceu a gravidade da situação e afirmou que a Ucrânia deve escolher entre manter os EUA como parceiro essencial ou preservar sua dignidade negando tais exigências.

Se as relações internacionais continuarem neste caminho, Zelensky pode ser o primeiro de muitos líderes a enfrentar essa difícil decisão.

O caso também serve para refletir sobre a posição do Brasil: o país está mais perto de Melos do que de Atenas na ordem internacional atual. É necessário desenvolver capacidades econômicas, militares, científicas, tecnológicas, psicossociais e políticas para sobreviver à crescente tensão global, evitando enfrentar no futuro uma situação semelhante à que a Ucrânia enfrenta hoje.

Paulo Filho é coronel da reserva do Exército, bacharel em Ciências Militares, mestre em Operações Militares e em Estudos de Defesa e Estratégia, e especialista em História Militar. Atualmente dedica-se aos estudos geopolíticos.

Créditos: Gazeta do Povo

Modo Noturno