Denúncia do MPRJ revela cúpula do Comando Vermelho no Complexo da Penha
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) apresenta uma denúncia que detalha a cúpula do Comando Vermelho (CV) no Complexo da Penha, baseada em gigabytes de mensagens de texto e áudio do WhatsApp, além de postagens nas redes sociais feitas pelos próprios acusados.
Na terça-feira (28/10), o Complexo da Penha e o Complexo do Alemão, ambos na zona norte do Rio, foram alvos da Operação Contenção, direcionada contra o CV. Esta operação resultou na morte de mais de 120 pessoas, incluindo quatro policiais, configurando-se como a mais letal da história policial no Brasil.
A denúncia do MP, fundamentada em parte por investigações policiais, foi um dos pilares para a realização da operação. O documento, obtido pela BBC News Brasil, lista 69 denunciados, embora ainda não se saiba quais foram presos ou mortos durante a operação.
A maioria dos denunciados responde pelo crime de associação ao tráfico, e três por tortura.
O documento revela a hierarquia do CV no Complexo da Penha, mostrando a organização de escalas de trabalho, termos usados pela facção, além dos armamentos e equipamentos empregados. Também expõe detalhes de tortura praticada contra pessoas acusadas de prejudicar a organização criminosa, uma ordem de execução e a colaboração de um major da Polícia Militar.
A denúncia do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do MPRJ descreve o comando do CV na Penha. No “primeiro escalão” estão Edgar Alves de Andrade, conhecido como “Doca” ou “Urso”, e Pedro Paulo Guedes, apelidado de “Pedro Bala”.
Doca é apontado como o principal líder do CV em liberdade, só ficando abaixo de Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar, ambos presos. O documento o qualifica como “principal liderança da facção criminosa em ascensão no Estado do Rio de Janeiro”.
Embora a polícia não tenha revelado quem foi preso ou morto na operação, sabe-se que Doca está foragido. Segundo a denúncia, sua residência era fortemente vigiada por seguranças armados.
Pedro Bala é chamado de “chefe” em mensagens do CV, como em uma que diz: “Ninguém dá tiro sem ordem do Doca ou do Bala.”
Abaixo deles, do cargo de gerente-geral, estariam Carlos Costa Neves, o “Gardenal”, e Washington Cesar Braga da Silva, o “Grandão” ou “Síndico da Penha”.
Gardenal teria papel na expansão do CV em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, tradicionalmente dominada por milícias. Especialista da área de segurança pública afirma que a expansão nacional e internacional do CV está aumentando a ocupação de áreas antes controladas por milicianos.
O documento do MP ressalta que Gardenal orienta traficantes sobre compra de armas, drones de vigilância e outros equipamentos para manter o CV como principal facção no estado.
Fotos revelam Gardenal com armas de alto calibre, grandes quantias de dinheiro, joias e carros de luxo, incluindo um Porsche Taycan circulando à noite na favela.
Grandão tinha a função de gerenciar o pessoal ligado ao tráfico local, incluindo escalas e distribuição dos membros na comunidade.
Mensagens mostram que ele emitia ordens de conduta, como a proibição de entrada de armas em eventos comunitários para evitar transtornos e garantir a participação tranquila dos moradores.
Ele também anunciava pagamentos aos membros do tráfico e ajustes nas escalas de plantão.
A denúncia traz evidências de torturas, agressões e ordens de execução por traficantes. Um áudio atribuído a Gardenal ordena a morte de um vendedor de drogas, chamado “vapor”, por perdas em carregamento, embora não se saiba se a execução ocorreu.
Outro denunciado, Juan Breno Malta Ramos ou “BMW”, gerente do CV na Gardênia Azul, chefiava o “Grupo Sombra”, serviço de matadores da facção.
Imagens anexadas mostram violência contra moradores, incluindo uma mulher em um balde de gelo acusada de arrumar confusão, um homem sendo agredido no chão e outro sendo arrastado por um carro algemado e amordaçado para supostamente confessar uma delação.
Vídeos mostram Juan Breno debochando da vítima enquanto menciona repetidamente seu nome. Também é exibido um vídeo-chamada com Carlos “Gardenal”, mostrando a ligação entre essas lideranças.
O documento destaca ainda o uso de adolescentes para diversas atividades criminosas próximas a estabelecimentos de ensino, afetando alunos e professores.
Além disso, a investigação aponta para colaboração entre policiais militares e traficantes. Mensagens indicam que um major da PM contatou Grandão para recuperar um carro subtraído em abril de 2024, que foi recuperado dias depois.
O major continua na PM, com função de gestor da favela da Rocinha e recebe salário de R$ 26,6 mil, segundo reportagem.
Outro trecho da denúncia mostra BMW negociando o pagamento de R$ 15 mil para policiais libertarem um integrante da facção.
BMW teria montado um sistema de monitoramento com câmeras no Complexo da Penha e na Gardênia Azul, incluindo sensores de movimento.
O MPRJ aponta indícios de que BMW lavava dinheiro por meio de uma pizzaria.
Por fim, mensagens revelam Gardenal negociando veículos roubados, vendidos por valores abaixo do mercado lícito, conforme relata a denúncia do MP.
Créditos: BBC News Brasil