Especialistas alertam sobre efeitos de classificar facções como terrorismo no Brasil
A proposta em tramitação no Congresso que busca classificar facções criminosas como organizações terroristas pode desencadear uma série de consequências para empresas e vítimas, segundo especialistas. O projeto, discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, pretende equiparar a definição de terrorismo às práticas de controle territorial de grupos como o PCC e o Comando Vermelho.
Tal mudança poderá restringir investimentos estrangeiros em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, dificultando a atuação de multinacionais nessas regiões. Um estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) indicou que, no ano passado, 18% do território do Rio estava sob o domínio de facções armadas. A classificação dessas atividades como terrorismo pode dificultar a abertura de escritórios e a vinda de profissionais estrangeiros para a cidade.
Além disso, a extorsão por meio da “taxa de proteção”, comum em áreas dominadas pelos grupos, passaria a ser enquadrada como “financiamento ao terrorismo”, o que pode expor pessoas e empresas a sanções internacionais, como as dos Estados Unidos. Exemplos internacionais semelhantes incluem o caso da multinacional francesa Lafarge, que enfrentou processo judicial por ter feito pagamentos ao Estado Islâmico para manter suas operações na Síria, e a Chiquita Brands, que pagou multa por financiar um grupo paramilitar na Colômbia, ambos devido a sanções por financiamento a grupos terroristas.
A definição de terrorismo, segundo o Conselho de Segurança da ONU, envolve atos que causam morte, ferimentos graves ou tomada de reféns com o objetivo de intimidar populações ou forçar governos. A lei antiterrorismo brasileira de 2016 já prevê atos motivados por xenofobia, discriminação ou preconceitos, mas o projeto atual quer incluir especificamente o controle territorial de áreas como critério.
Para o professor Jorge Lasmar, da PUC Minas, o terrorismo possui componentes políticos e ideológicos, enquanto a criminalidade busca o lucro financeiro. Embora facções utilizem táticas que amedrontam a população, não significa que todas sejam terroristas. Por outro lado, a mudança pode impactar diretamente atividades de seguradoras, empresas e a reputação do Brasil, já que medidas contra ataques terroristas diferem das aplicadas contra crimes comuns.
Renato Galeno, coordenador no Ibmec, alerta que tal reclassificação pode complicar os processos de compliance de corporações transnacionais, especialmente em setores como petróleo, que costumam restringir a atuação em regiões conflagradas. A legislação poderia isentar locais sob domínio de facções criminosas de certos investimentos, dificultando a entrada de capital estrangeiro.
Por fim, a mudança pode servir de justificativa para intervenções estrangeiras, um receio expressado pelo governo Lula. Os Estados Unidos aplicam sanções variadas contra terroristas e seus apoiadores, incluindo listas de organizações e indivíduos sancionados, o que já foi utilizado para ataques contra grupos na Venezuela. Enquanto isso, governadores do Rio e São Paulo defendem a classificação de facções locais como terroristas para reforçar o combate às mesmas.
Créditos: O Globo