Especialistas: decisão do STF sobre ADPF abriu brechas para massacre no Rio
Especialistas afirmam que a decisão final da ADPF das Favelas no STF — ação que definiu regras para operações policiais no Rio de Janeiro — criou brechas que permitiram a megaoperação que resultou em mais de 60 mortes no estado.
Em entrevista coletiva, o governador Cláudio Castro usou a ADPF como justificativa para a operação e alegou que as decisões do Supremo fortaleceram o Comando Vermelho. Organizações afirmam que o governo estadual utiliza o próprio processo judicial como argumento para justificar a ampliação da repressão.
A ADPF foi ajuizada pelo PSB em 2019 como resposta ao elevado número de mortes em operações policiais no Rio. Durante a pandemia, o STF impôs restrições às ações policiais do estado. Em abril de 2025, o Supremo concluiu o julgamento e estabeleceu regras que o governo estadual deve seguir.
O STF determinou obrigações como o uso obrigatório de câmeras em fardas e viaturas, a preservação da cena do crime e maior transparência sobre mortos e feridos, mas também deixou lacunas.
Ativistas afirmam que o STF eliminou medidas que exigiam planejamento e cuidados extras, o que para o diretor executivo da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, Fransérgio Goulart, representa um “aval institucional” para que o governo reinicie operações com características de ocupação militar nas favelas.
Entidades de direitos humanos dizem que o texto final da decisão ficou aquém do necessário. O tribunal não reconheceu um “estado de coisas inconstitucional”, conforme solicitavam as organizações, e manteve a possibilidade de a polícia alegar “excepcionalidade” a qualquer momento. Na prática, isso pode permitir que escolas e unidades de saúde voltem a ser usados como bases operacionais, e que helicópteros sejam empregados como plataforma para tiros.
Além disso, o plano homologado não prevê orçamento específico, deixando para o Executivo a decisão sobre o grau de cumprimento das medidas.
Para movimentos de favelas, o resultado privilegiou o fortalecimento de uma polícia mais violenta. Giselle Florentino, também da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, considera a decisão uma “escolha política” que abriu o caminho para uma polícia “mais cruel e assassina”.
Organizações relataram colapso nos hospitais e moradores retirando corpos das áreas de mata. Giselle afirma que o “plano de reocupação” do estado, que não conta com orçamento real, resulta numa “carnificina” dirigida à população negra.
Na coletiva, Cláudio Castro criticou a ADPF, afirmando que a suspensão das operações durante a pandemia fortaleceu o Comando Vermelho. Ele chamou a ação do STF de “maldita” e responsabilizou ministros e partidos da esquerda pelo avanço do crime organizado no estado.
O diretor do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro (Cesec), Pablo Nunes, diz que o governo ignora determinações mínimas do tribunal e usa a ADPF como pretexto para justificar o aumento da violência, desrespeitando o que foi decidido.
Dados indicam que a liminar da ADPF reduziu as mortes em aproximadamente 60% enquanto esteve vigente, sem aumento nos crimes, o que demonstra que a alegação de que a restrição comprometia a segurança é infundada.
Para Pablo Nunes, o governador emprega a decisão do STF como “espantalho” para explicar os problemas de segurança, utilizando-a para justificar ações policiais que não solucionam o problema do crime organizado. “Apesar da repetição dessas operações fora da legalidade, essas situações continuam acontecendo”, afirma o pesquisador.
Créditos: UOL