Economia
03:07

Licença-paternidade ampliada é crucial para reduzir desigualdade salarial, dizem especialistas

Especialistas consultados pela Folha afirmam que a ampliação da licença-paternidade é o principal caminho para diminuir a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Contudo, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, que estende para até 20 dias o tempo em que pais podem se afastar após o nascimento dos filhos, é apenas um primeiro passo.

O ideal seria a aprovação de uma licença parental, que conceda o mesmo período de afastamento para mães e pais após nascimento ou adoção. “A licença-paternidade ampliada é condição necessária, mas não suficiente para a transformação social que precisamos”, afirma Rodolfo Canônico, cofundador da Coalização Licença Paternidade e diretor-executivo da ONG Family Talks.

Estudos indicam que a maternidade é o fator principal que diferencia homens e mulheres quanto às desigualdades no mercado de trabalho. Segundo a proposta da Câmara, a licença-paternidade será aumentada gradualmente a partir de 2027, de cinco para dez dias, chegando a 20 dias.

Paula Montagner, subsecretária de estatísticas e estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), explica que a ampliação da licença-paternidade e a adoção da licença parental são critérios considerados pelo ministério para justificar ações de empresas que pretendem reduzir a diferença salarial entre homens e mulheres.

Segundo levantamento da Folha, mulheres recebem em média 21% menos que homens em empresas brasileiras com cem funcionários ou mais, conforme o 4º relatório sobre remuneração do governo Lula, fundamentado na Lei da Igualdade Salarial.

Esse percentual é ligeiramente maior que a média da América Latina, que é de 20%. Paula comenta que, quando há diferenças salariais, o ministério solicita informações às companhias para compreender suas intenções e medidas para alterar esse cenário. “Uma empresa com diferença salarial que implementa políticas para apoiar a parentalidade e oferece licença-paternidade estendida demonstra um movimento de modernização.”

Rosana Silva, do Ministério das Mulheres, coordena iniciativas para reduzir as desigualdades salariais e observa que certas empresas já garantem afastamento de até 40 dias para nascimento ou adoção. Segundo ela, práticas positivas em uma organização podem ser replicadas em outras.

A advogada especialista em direito trabalhista Bárbara Ferrari destaca que a extensão da licença diminui o absenteísmo masculino no começo da vida dos filhos ao possibilitar maior convivência e atendimento a consultas rotineiras dos bebês. Ela avalia que a ampliação da licença-paternidade favorece a efetivação da igualdade salarial e de gênero proposta pela lei 14.611/2023, embora seja necessária a implementação de outras políticas públicas e empresariais para garantir suporte adequado durante o afastamento.

O advogado trabalhista Danilo Schettini lembra que o projeto aprovado ganhou impulso após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2023, que apontou a omissão do Congresso por mais de 40 anos na regulamentação da licença-paternidade. O STF estabeleceu um prazo de 18 meses para que o legislativo legisle o tema ou que o próprio tribunal fixe as regras.

Com o término desse prazo previsto para meados de 2025, o Congresso reagiu para cumprir essa determinação. Schettini ressalta que a aprovação da medida afeta diretamente as diferenças de gênero, fortalece o vínculo entre pais e filhos e regulamenta uma lacuna legal.

Ele ainda afirma que a licença de apenas cinco dias reforça estereótipos que colocam a responsabilidade dos cuidados infantis exclusivamente sobre as mães. A ampliação permite uma distribuição mais equilibrada dessas responsabilidades e combate a discriminação de gênero no mercado de trabalho.

Rodolfo Canônico acrescenta que os benefícios para os pais, mães, crianças e famílias vão além do aspecto econômico, refletindo também na economia a longo prazo. Ele aponta que 30 dias de licença equivalem a um período de férias, que as empresas podem gerenciar com planejamento prévio, tornando o custo financeiro suportável.

A extensão da licença-paternidade poderá também beneficiar mulheres em relações homoafetivas com dupla maternidade, pois o STF decidiu que, em casais de duas mulheres, uma recebe licença-maternidade integral enquanto a outra tem direito à licença-paternidade prevista para pais.

Por sua vez, a advogada Verônica Irazabal explica que a licença-paternidade está amparada na Constituição Federal, mas carecia de regulamentação. Ela destaca o artigo 10 do ADCT, que prevê afastamento de até cinco dias para pais, e a lei 11.770, que instituiu o Programa Empresa Cidadã em 2008, possibilitando ampliação desse prazo para 20 dias via benefícios fiscais.

Servidores públicos possuem normas específicas, e decisões do STF já ampliaram esse direito para pais em casos de nascimento ou adoção, especialmente para casais homoafetivos.

Em outubro, o STF unificou regras de licenças para servidores públicos civis e militares de Santa Catarina, garantindo igualdade de afastamento, servindo como referência para outros julgamentos no Supremo.

Verônica acredita que a nova lei não enfrentará questionamentos judiciais, já que o STF ordenou essa regulamentação, e argumenta que o Brasil cumpre compromissos internacionais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança.

Créditos: Folha de S.Paulo

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