Lula participa da cúpula Celac-UE para debater tensão militar no Caribe
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está participando neste domingo (9/11) da reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE).
Lula deixou Belém, onde acompanhava a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), para viajar a Santa Marta, na Colômbia, local do evento da Celac.
Inicialmente, Lula não planejava participar da cúpula, mas disse na semana passada que o encontro seria adequado para discutir a movimentação militar dos Estados Unidos na região do Caribe e na costa da Venezuela.
“Só tem sentido a reunião da Celac, neste momento, se a gente for discutir essa questão dos navios de guerra americanos aqui nos mares da América Latina. Tive oportunidade de conversar com o presidente [Donald] Trump sobre esse assunto, dizendo para ele que a América Latina é uma zona de paz”, declarou Lula.
“Somos uma zona de paz, não precisamos de guerra aqui. O problema que existe na Venezuela é um problema político que deve ser resolvido na política”, acrescentou o presidente.
A Celac reúne todos os países da América Latina e do Caribe, visando promover a integração regional. O organismo intergovernamental foi criado oficialmente em 2011 na Venezuela. Antes disso, as nações da região se reuniam na Organização dos Estados Americanos (OEA), que inclui Estados Unidos e Canadá.
A fundação da Celac foi vista como um meio para os países latino-americanos e caribenhos discutirem temas políticos, sociais, culturais e econômicos sem a influência das duas potências desenvolvidas.
Apesar disso, o bloco mantém diálogo próximo com a União Europeia e outras entidades e países, como Índia, China, ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e União Africana.
Desde sua fundação, a Celac enfrenta desafios para construir consenso entre seus países-membros e criar uma estrutura institucional capaz de implementar políticas de integração autônomas em relação aos Estados Unidos.
Além disso, há dificuldades pela diversidade econômica, níveis diferentes de desenvolvimento, pobreza, crime organizado e antagonismos político-ideológicos na região.
Em 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil deixou o comitê da Celac, pois o então presidente buscava distanciamento de governos de esquerda como Cuba e Venezuela. Logo no início do mandato atual, Lula anunciou o retorno do Brasil ao organismo.
A reunião deste domingo tem como foco uma ampla agenda global, incluindo educação, saúde, inovação, inteligência artificial, comércio, investimentos e combate ao crime organizado.
Espera-se que o evento resulte na consolidação da “Declaração de Santa Marta” e do “Mapa do Caminho 2025-2027”, documentos que buscam transformar o diálogo birregional em ações concretas e orientar a implementação das prioridades entre América Latina, Caribe e União Europeia.
Todavia, o tema de maior destaque deve ser a escalada da tensão entre os Estados Unidos e a Venezuela.
Nos últimos dois meses, as forças armadas americanas intensificaram sua presença no Mar do Caribe com navios de guerra, caças, bombardeiros, fuzileiros navais, drones e aviões espiões, configurando o maior destacamento militar na região em décadas.
O governo de Donald Trump alegou que esta operação visa reprimir o narcotráfico na área e acusa o presidente venezuelano Nicolás Maduro de liderar o Cartel de los Soles, grupo considerado narcoterrorista.
As forças dos EUA já realizaram ao menos 17 ataques a embarcações suspeitas de transportar drogas no Caribe, próximas da costa venezuelana, resultando na morte de mais de 60 pessoas.
Na semana anterior, Trump minimizou a possibilidade de conflito com a Venezuela, mas indicou que o governo Maduro teria os dias contados.
Em 15 de outubro, autorizou a CIA a realizar “operações secretas” em solo venezuelano, sugerindo uma escalada da tensão para níveis inéditos.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a possibilidade de um conflito entre Estados Unidos e Venezuela está mais próxima do que nunca. Um agravamento das tensões teria impactos significativos para toda a região.
A professora Monica Herz, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, destaca que a presença de porta-aviões e tropas americanas no Caribe rompe com a tradição latino-americana de não beligerância.
“É algo que coloca em xeque décadas de esforços para manter o Atlântico Sul e a América Latina como zonas de paz”, afirmou Herz.
Até o momento, os países da América Latina e Caribe não se uniram para desenvolver uma posição conjunta ou estratégia frente à crise.
“Não há consenso mínimo, não articulação, não há nenhuma organização envolvida”, lamentou Herz antes do anúncio da participação de Lula na cúpula.
A expectativa é que o encontro da Celac ao menos produza alguma declaração oficial sobre os recentes eventos, embora não se saiba se será possível atingir consenso entre os membros sobre a situação no Caribe.
A Colômbia considera os ataques americanos a barcos violações do direito internacional, enquanto o Brasil defende negociações para reduzir a tensão.
Lula defendeu uma solução política e diplomática para o conflito venezuelano durante reunião com Donald Trump em outubro e sugeriu que o Brasil possa atuar como facilitador em uma negociação.
Por outro lado, o governo de Trinidad e Tobago expressou total apoio à ampliação do contingente militar americano na região. A ilha recebeu, recentemente, a visita do destróier USS Gravely, equipado para combate aéreo, submarino e de superfície, além de transportar helicópteros.
Argentina e Paraguai também adotaram posições alinhadas aos EUA, classificando o Cartel de los Soles como organização terrorista internacional. Esses países anunciaram que estenderão essa classificação a facções criminosas brasileiras como Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC).
Há preocupação quanto à redução da presença na cúpula, após cancelamentos de líderes centrais, incluindo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente uruguaio Yamandú Orsi, e outros como Javier Milei (Argentina) e Claudia Sheinbaum (México).
O encontro segue até segunda-feira (10), mas Lula participará somente do primeiro dia e voltará a Belém para a abertura oficial da COP30.
*Reportagem de Paula Adamo Idoeta e Claudia Jardim
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Créditos: BBC News Brasil