Moradores da Penha e do Alemão relatam medo e rotina sob domínio do tráfico
Nas comunidades da Penha e do Complexo do Alemão, dominadas pelo Comando Vermelho, os moradores vivem sob constante tensão devido à violência e às regras impostas pelo tráfico. Após uma operação policial que resultou em 121 mortes, os residentes tentam manter a rotina apesar do medo persistente.
Os sinais da situação conflagrada são visíveis em locais como a Vila Cruzeiro, onde barricadas feitas com carros, ferros, pneus e móveis antigos bloqueiam vias de acesso. Na Avenida Brás de Pina, um cartaz com a palavra “paz”, pendurado em uma fachada fechada, simboliza o desejo da população por normalidade, cinco dias após a operação que marcou a região.
Na Mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia, local onde mais de 60 corpos foram encontrados, o ambiente é marcado pelo cheiro da morte, conforme relato de familiares das vítimas. Os complexos da Penha e do Alemão abrigam oficialmente cerca de 110 mil moradores e contam com diversas escolas e unidades de saúde.
A violência diária obriga os moradores a adotarem códigos de conduta e a alterarem atividades simples, como comprar pão e leite. Além das barricadas, o controle das comunidades é feito por câmeras do tráfico e drones, conforme denúncias do Ministério Público, que revelam o uso desses recursos para monitorar tanto o território quanto as movimentações da polícia.
De acordo com a polícia, Juan Breno Malta Ramos, conhecido como BMW, que gerencia o tráfico na Gardênia Azul, controla as câmeras de segurança dentro do Complexo da Penha. O medo leva os moradores a evitarem falar sobre alguns assuntos, mas o silêncio denuncia o clima de terror vivido.
Uma moradora do Complexo da Penha conta que as regras incluem o cumprimento do toque de recolher, principalmente em dias de operação, e a proibição de certos gestos, como mostrar três dedos em fotos, sinal interpretado como provocação vindo da facção rival Terceiro Comando Puro (TCP). Desrespeitar essas regras pode trazer punições severas.
Outra moradora do Alemão, que vive ali há nove anos, relata o constante temor de que algo ruim aconteça a qualquer momento, o que a fez mudar sua rotina para comprar o pão e o leite apenas à noite. Ela descreve a experiência como aterrorizante, destacando que o silêncio é motivo de apreensão constante.
Durante a operação, essa moradora permaneceu em casa sob forte estresse, precisando de calmantes para suportar a tensão. Outra mulher, também residente no Alemão, afirma que o medo extremo aparece mais nos dias de operação, mas que a apreensão é constante. Ela descreve grupos de WhatsApp como um meio de proteção e comunicação entre os moradores.
Preocupada com seu filho jovem, ela criou um código próprio para aumentar a segurança dele, recomendando que evite becos, utilize vias principais, não use fones de ouvido para manter a atenção e tenha postura educada em abordagens policiais, além de cuidados com o conteúdo no celular.
Por sua vez, uma moradora da Vila Cruzeiro associa os sons de risos, gritos e música alta à paz na comunidade, enquanto o silêncio costuma ser sinal de algo errado. A região vive uma dinâmica instável, onde o menor sinal pode indicar perigo.
A rapper MC Martina, nascida no Alemão, expressa a realidade da favela em suas poesias e acredita na cultura como agente de transformação. Ela lançará em breve seu segundo livro, onde retrata o sofrimento da comunidade para além da violência armada.
Créditos: O Globo