Plano de paz dos EUA para Ucrânia vaza com propostas controversas
Um rascunho do plano de paz dos Estados Unidos para o conflito entre Rússia e Ucrânia foi vazado, revelando propostas sensíveis, como a entrega à Rússia das áreas do leste do Donbas ainda sob controle ucraniano.
Versões mais recentes do documento também sugerem que a Ucrânia reduza suas Forças Armadas para 600 mil soldados.
O texto contém 28 pontos principais, dos quais alguns poderiam ser aceitáveis para a Ucrânia, enquanto outros são vagos ou imprecisos.
A soberania da Ucrânia seria “confirmada”, e haveria um “acordo total e completo de não agressão entre Rússia, Ucrânia e Europa”, com garantias de segurança para Kiev, e a realização de eleições antecipadas em até 100 dias. Caso a Rússia retomasse a invasão, seria prevista uma resposta militar coordenada, o restabelecimento das sanções e o cancelamento do acordo.
Apesar disso, não há detalhes sobre as garantias de segurança, nem a identificação de quem as forneceria, ficando aquém de um compromisso formal como o artigo 5º da Otan. Para aceitar o acordo, Kiev exigiria mais do que promessas vagas.
Entre as propostas mais controversas está a concessão de territórios ucranianos não ocupados atualmente e a limitação do exército da Ucrânia.
Segundo o plano, as forças ucranianas se retirariam da parte do oblast de Donetsk que controlam, tornando essa área uma zona tampão neutra e desmilitarizada, reconhecida internacionalmente como pertencente à Rússia, sem entrada de tropas russas.
Essa cessão afetaria ao menos 250 mil ucranianos e cidades estratégicas como Slovyansk, Kramatorsk e Druzhkivka, o que é improvável que os ucranianos aceitem sem resistência, dado o longo conflito pela região.
Também está prevista a redução do efetivo militar ucraniano para 600 mil, número inferior ao estimado em janeiro do ano anterior, de 880 mil soldados ativos. Embora possa parecer razoável em tempos de paz, essa medida fere a soberania da Ucrânia e pode não ser aceita pela Rússia.
A representante ucraniana na ONU, Khrystyna Hayovyshyn, afirmou que “nunca haverá reconhecimento, formal ou informal, de territórios ucranianos temporariamente ocupados pela Rússia” e que a Ucrânia não aceitará limites no direito de autodefesa ou no tamanho de suas forças.
O rascunho recomenda ainda que Crimeia, Luhansk e Donetsk sejam reconhecidos como de fato russos, inclusive pelos Estados Unidos, o que permitiria que Kiev aceitasse essa proposta sem violar sua Constituição, que declara suas fronteiras invioláveis.
Nas regiões do sul de Kherson e Zaporizhzhia, as linhas de frente seriam congeladas, com renúncia russa a outras áreas ocupadas.
Além disso, a Ucrânia se comprometeria a não ingressar na Otan, enquanto o bloco concordaria em excluir seu ingresso futuro. A Ucrânia permaneceria elegível para adesão à União Europeia e teria acesso preferencial ao mercado europeu durante a avaliação dessa possibilidade.
Essa proposta ignora as posições dos países-membros da UE, e o ingresso na Otan e na UE são direitos constitucionais da Ucrânia, reforçados pela representante do país na ONU.
Outras condições estabelecem que a Otan não estacione tropas na Ucrânia e que caças europeus sejam baseados na Polônia, além de Kiev se comprometer a ser Estado não nuclear.
O documento rejeita planos de coalizões de países europeus para supervisionar acordos de paz.
O plano sugere a reintegração econômica da Rússia ao grupo das potências, com investimento de US$ 100 bilhões em ativos russos congelados para a reconstrução da Ucrânia, dividindo metade dos lucros com os EUA, enquanto a Europa contribuiria com mais US$ 100 bilhões.
Embora o custo estimado para reconstrução alcance US$ 524 bilhões, há um plano para que parte dos ativos continue sob controle conjunto EUA–Rússia, podendo beneficiar essa última.
O documento não limita as armas ucranianas de longo alcance, mas prevê que o disparo de mísseis contra Moscou ou São Petersburgo anulasse as garantias de segurança.
Os EUA buscam avançar rapidamente, com um prazo até o feriado de Ação de Graças para uma resposta ucraniana, mas altos funcionários norte-americanos e alemães afirmam que o plano ainda não é definitivo.
A União Europeia e a Rússia não receberam oficialmente o conteúdo.
O enviado russo Kirill Dmitriev teria participado da formulação do texto, levantando suspeitas de concessões a Moscou, o que Vladimir Putin admitiu poder servir como base para acordo.
A cessão de territórios ucranianos reais à Rússia indica alinhamento à narrativa russa, mas o congelamento das linhas de frente no sul representa um desafio para o Kremlin.
O levantamento das sanções seria gradual, o que contrasta com as demandas russas por rapidez.
Um plano de anistia geral agradaria Moscou, mas desagradaria Kiev e Europa.
Apesar de concessões, algumas exigências à Otan são vagas demais para os russos.
A Rússia condiciona o fim da guerra à eliminação das causas profundas, como a expansão da Otan, abordada no plano.
Há também menções às alegações russas sobre discriminação da população de língua russa na Ucrânia, sem apoio explícito.
Uma proposta equilibra os direitos da mídia e educação ucraniana e russa, e outra sugere a divisão da eletricidade da usina nuclear de Zaporizhzhia, atualmente ocupada pela Rússia, de forma igual entre os dois países.
Créditos: BBC News Brasil