Rio de Janeiro vive guerra territorial e estado perde controle
O Estado, o Comando Vermelho e o PCC disputam o controle do território e a apropriação de recursos, numa dinâmica que lembra a observação do jurista Santi Romano sobre a Itália, onde “o Estado e a máfia são duas ordens concorrentes”.
No Rio de Janeiro, o fenômeno não se trata de crime comum ou apenas criminalidade organizada. O Estado está perdendo o domínio do território e dos recursos, se é que algum dia teve tal controle. Consequentemente, a população sofre perdas em vidas e qualidade de vida.
Segundo a noção dos “bandidos nômades” de Mancur Olson, esses grupos armados estão avançando sobre o “bandido estacionário”, o Estado. O Brasil já manteve sua integridade territorial em momentos históricos como a secessão da Província Cisalpina, Canudos e a Inconfidência Mineira, mas atualmente perde território para o narcotráfico: cerca de 25% do país, abrangendo 23 milhões de pessoas, ou 11% da população, está sob o domínio do crime organizado.
Essa situação é característica da América Latina, onde Colombia, Venezuela e Equador são considerados narcoestados; Bolívia e Brasil enfrentam sérios problemas com o narcotráfico, com grandes áreas sob controle criminoso.
O Estado recuou de forma pública e deliberada das favelas. Como não existe vácuo de poder, outras forças ocuparam esses espaços.
O economista David Friedman argumenta que a extensão do território controlado por um país depende da capacidade de cobrança de impostos. Nos morros, o Estado mal consegue arrecadar, enquanto o crime está presente e exerce maior poder de cobrança. Quem detém mais recursos não abandona o controle facilmente, usando-os para se manter protegido.
Além do aspecto econômico, a geografia também dificulta o controle estatal: os morros são áreas de difícil conquista e fáceis de defender. Policiais estimam que a proporção ideal para combater o tráfico seria de quatro agentes para cada criminoso. Essa característica geográfica explica a sobrevivência de pequenos países cercados por territórios maiores, como San Marino, Liechtenstein e Mônaco, além de regiões andinas afetadas pelo narcoterrorismo.
Nas favelas, ruas estreitas tornam as ações militares convencionais inviáveis, configurando um tipo de guerrilha urbana em que os grupos armados saem vitoriosos.
O Índice dos Estados Frágeis coloca o Brasil na 78ª posição entre 179 países, próximo a nações como Gabão, Bósnia, África do Sul, Bolívia e Peru. Desde 2006, fatores políticos e sociais, como divisão da sociedade, das elites políticas, legitimidade do Estado, direitos humanos e serviços públicos, vêm piorando. Max Weber definiu que para o Estado existir é necessário possuir o “monopólio legítimo da força”. Atualmente, o Brasil apresenta baixa legitimidade estatal (nota 3,4 numa escala de 0 a 10) e a capacidade de monopolizar o uso da força também declina.
Ninguém perde território pacificamente sem tentar defendê-lo, salvo se há acordo ou vantagem. Se os morros estivessem sob controle do Estado Islâmico, Talibã ou Al Qaeda, o Estado reagiria, pois não há conluio com esses grupos.
Assim, o Estado abriu mão das favelas publicamente, e diante da ausência de seu poder, outras forças emergiram. Entretanto, o foco estatal e público tem sido desviado para temas como desinformação, extrema direita, censura a piadas e crimes de opinião, e regulação das redes sociais.
Trata-se de uma guerra territorial complexa, que não é um confronto direto entre Estado e crime. Existem conexões internas que dificultam a ação estatal contra o crime externo, com agentes infiltrados que impedem o combate efetivo.
Créditos: Gazeta do Povo