Shutdown nos EUA complica decisão do Fed sobre corte de juros
O Federal Reserve já enfrentava um dilema sobre o ritmo dos cortes de juros após reiniciá-los no mês passado. Esse desafio pode piorar caso o shutdown do governo dos Estados Unidos impeça o banco central de acessar dados econômicos cruciais.
O Departamento de Estatísticas de Trabalho anunciou que não publicará o esperado relatório de emprego na sexta-feira. Outros indicadores, como o índice de preços ao consumidor, também estão ameaçados se o Congresso e o presidente Donald Trump não chegarem a um acordo rapidamente.
Esse indicador antecede o relatório oficial de emprego dos EUA, conhecido como “payroll”, que está suspenso por tempo indefinido devido ao shutdown.
Isso dificultaria ao Fed compreender claramente o cenário econômico, justamente num momento em que seus integrantes já divergem sobre a melhor estratégia para os cortes de juros antes da próxima reunião, no fim do mês.
“É doloroso não receber estatísticas oficiais quando estamos tentando entender se a economia está em transição”, afirmou Austan Goolsbee, presidente do Fed de Chicago e membro votante do comitê de política monetária.
Os formuladores desejam saber até que ponto os juros atuais limitam a economia. Essa avaliação fica mais complexa quando só restam fontes alternativas de dados.
Se os juros estiverem pouco contidos, o Fed terá pouca margem para reduzi-los antes de alcançar o nível “neutro” — ponto em que a política monetária nem acelera nem freia a atividade econômica. Avançar rápido demais ou ultrapassar esse ponto pode aumentar pressões inflacionárias causadas pelas tarifas aplicadas por Trump. Porém, caso os juros estejam restringindo fortemente a atividade, o banco central deverá agir com rapidez para evitar impactos ao mercado de trabalho.
“Há enorme desacordo sobre onde está esse nível neutro”, explicou Stephen Stanley, economista-chefe dos EUA no Santander. “É compreensível que alguns queiram agir rápido e outros não.”
Stanley destacou que um shutdown prolongado adicionaria mais preocupações para o Fed. Economistas estimam que cada semana de paralisação federal pode cortar cerca de um décimo de ponto percentual do PIB trimestral.
Além do shutdown, o Fed também monitora a desaceleração mensal do emprego, o que aumenta a preocupação com o mercado de trabalho, ainda que a taxa de desemprego esteja estável em 4,3%.
Paralelamente, a inflação se distanciou da meta de 2% do Fed, impulsionada por aumentos em preços de itens mais afetados pelas tarifas. Muitos dirigentes acreditam que essas pressões são temporárias, embora cada nova rodada de tarifas, como nas áreas de móveis, armários de cozinha e madeira, possa prolongar esse efeito.
Antes do shutdown, o presidente do Fed, Jerome Powell, indicou apoio a cortes graduais nas taxas, atualmente entre 4% e 4,25% após redução em setembro. Para Powell, essa estratégia é uma forma de “gestão de riscos” para preservar o mercado de trabalho, considerando que a inflação vinculada às tarifas seria passageira.
Como Powell, boa parte dos dirigentes veem os juros como “moderadamente restritivos”, mas há discordâncias.
Stephen Miran, novo membro do Conselho de Governadores do Fed, atualmente licenciado da Casa Branca, considera as taxas “muito restritivas”. Ele advertiu que não cortá-las rapidamente em cerca de 2 pontos percentuais pode provocar “demissões desnecessárias e aumento do desemprego”.
Miran baseia-se na crença de que a taxa neutra real é menor do que as autoridades econômicas estimam. Enquanto a maioria calcula esse ponto em torno de 3% (ou 1% ajustado pela inflação), ele avalia que as tarifas de Trump, as restrições à imigração e os esforços de desregulamentação reduzem essa taxa próxima de zero.
Vincent Reinhart, ex-economista do Fed e atualmente na BNY Investments, contesta esse argumento, observando que, apesar do crescimento lento, a economia não está à beira do colapso. Empresas não demitem em massa e o consumo permanece forte.
“Pelo nível do consumo, a taxa neutra não pode ser tão baixa”, afirmou Reinhart.
Caso Miran esteja correto, acrescentou Steven Blitz, economista-chefe dos EUA na GlobalData TS Lombard, isso indicaria que o governo estaria prejudicando a economia e não fortalecendo-a.
“A mensagem dele é que as políticas do governo vão desacelerar o crescimento, a menos que o Fed corte os juros”, explicou.
Até o momento, nenhum dos colegas de Miran aparenta ser convencido. Em contrapartida, um grupo dentro do Fed tem enfatizado cautela nos cortes.
Sinais evidentes de enfraquecimento do mercado de trabalho reforçariam a justificativa para mais redução dos juros. Contudo, isso se torna mais difícil quanto mais longo for o shutdown.
“Não é o cenário ideal quando se está recomeçando uma política de afrouxamento monetário”, comentou James Knightley, economista-chefe internacional do ING. “Você precisa de motivos sólidos que sustentem sua decisão.”
Créditos: InfoMoney