Política
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STF consolida base para prisão definitiva de Bolsonaro com jurisprudência questionada

O entendimento que permitiu ao ministro Alexandre de Moraes determinar a execução da pena do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta terça-feira (25) está consolidado há anos no Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda é alvo de controvérsia no meio jurídico.

O prazo para a defesa apresentar novos embargos de declaração, recurso utilizado para esclarecer pontos da decisão, expirou na segunda-feira (24). Contudo, os advogados de Bolsonaro podem tentar recorrer com embargos infringentes.

Existe uma jurisprudência sólida no STF que afirma que os embargos infringentes, que possibilitam a reavaliação do mérito e têm prazo maior para serem apresentados, só são admissíveis quando há pelo menos dois votos pela absolvição do condenado. Essa condição não é atendida no caso de Bolsonaro.

Especialistas divergem sobre essa interpretação. Alguns consideram que, por não estar fundamentada em lei ou no regimento interno, ela pode violar o direito à ampla defesa. Outros entendem que a prática está amparada pelo direito e não traz irregularidades.

Bolsonaro foi condenado pela Primeira Turma do STF por quatro votos a um, sendo o ministro Luiz Fux o único a votar pela absolvição.

O Código de Processo Penal prevê o uso dos embargos infringentes em decisões não unânimes de segunda instância, mas não menciona o Supremo ou o número exato de votos necessários para admitir o recurso.

O Regimento Interno do STF determina que o julgamento do plenário só permite os infringentes se existirem, no mínimo, quatro votos divergentes. Essa norma não especifica as turmas do STF ou os critérios para contagem dos votos.

Um precedente importante é o caso do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro. Em 2018, o STF definiu que embargos infringentes são cabíveis contra decisão majoritária em ação penal nas turmas caso haja pelo menos dois votos absolvitórios.

A lógica é que, em tribunais de segunda instância, onde as turmas geralmente têm três magistrados, uma divergência corresponde a aproximadamente um terço dos votos. No plenário do STF, com 11 ministros, este índice é equivalente a quatro votos, e nas turmas do Supremo, cerca de dois votos.

Segundo a professora Raquel Scalcon, da FGV Direito SP, nem o Código de Processo Penal nem o regimento do STF exigem essa divergência qualificada. Portanto, ela considera que essa jurisprudência foi criada pelos ministros e, do ponto de vista da legalidade, não é a mais adequada, pois impõe uma regra desfavorável ao réu e ao direito de defesa.

O criminalista Renato Vieira, doutor em direito processual penal pela USP, afirma que essa interpretação restringe um recurso pensado para favorecer a defesa, contrariando o propósito do legislador. Segundo ele, a discussão ultrapassa o processo do ex-presidente e envolve uma escolha político-criminal maior que deve ser revisitada.

O entendimento mais restritivo em relação aos embargos infringentes já foi aplicado pelo próprio ministro Moraes no processo que condenou o ex-presidente Fernando Collor e recentemente no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos.

O advogado e promotor aposentado Fauzi Hassan Choukr acredita que não há exageros na interpretação do Supremo, e que ela está respaldada tanto pela lei quanto por normas internacionais que garantem o direito de defesa. Ele destaca que o sistema deve assegurar que a parte acusada possa contestar decisões prejudiciais de forma eficaz, mas que isso não implica o direito a um recurso para qualquer decisão.

Maíra Salomi, vice-presidente da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), observa que, embora essa jurisprudência aumente a celeridade e a segurança jurídica diante de lacunas do regimento interno, ela pode conflitar com o princípio da ampla defesa, já que se trata de condenação criminal com penas privativas de liberdade, que requerem interpretação mais benéfica ao réu.

Essas divergências ressaltam o debate sobre os limites e a abrangência dos recursos judiciais dentro do STF, principalmente em processos criminais relevantes como o que envolve Jair Bolsonaro.

Créditos: Folha de S.Paulo

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