Internacional
14:10

Trump pressiona Zelensky e Europa para aceitar plano que pode deixar Ucrânia isolada

Um plano de 28 pontos elaborado por enviados dos Estados Unidos e da Rússia foi apresentado à Ucrânia nesta semana com um prazo e uma ameaça implícita: aceitar ou correr o risco de ficar abandonada.

O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou na sexta-feira (21) que o líder ucraniano Volodymyr Zelensky “terá que gostar” do plano americano, indicando que não haveria negociações, e estabeleceu a quinta-feira (27) como prazo para a aceitação.

Zelensky reconheceu a dificuldade da escolha em discurso solene à nação na sexta-feira, apresentando o plano como uma decisão entre perder o apoio dos EUA ou aceitar as demandas russas, que são atendidas em muitos dos 28 pontos.

A perda do apoio dos EUA traria graves consequências na entrega de armas e no acesso a informações de inteligência, agravando crises existentes na Ucrânia, como falta de soldados, aperto financeiro e a erosionada confiança da população em sua presidência, marcada por escândalos.

Mais importante ainda, rejeitar o plano representaria uma separação existencial dos EUA, com grandes implicações estratégicas para a Ucrânia e seus aliados europeus, podendo resultar no afastamento total dos EUA do conflito e deixando a Europa responsável por sua própria segurança.

Embora a ausência dos EUA prejudique o fornecimento de armas, esse impacto é menor do que seria três anos atrás, pois o conflito mudou e o papel dos drones cresceu, além do fato de que a Europa já contribui com mais ajuda militar financeira que os EUA desde o início da guerra até junho de 2025.

A ausência do armamento americano afetaria especialmente as defesas aéreas ucranianas, incluindo baterias e mísseis Patriot, pelos quais Zelensky tem feito apelos frequentes, embora sua quantidade seja limitada. Caso os EUA cortem o fornecimento, poderiam ainda permitir que a Europa e outros aliados mantenham o apoio.

A Ucrânia também sofre um fornecimento restrito dos mísseis ATACM, considerados altamente eficazes.

A administração Trump indicou maior disposição em vender armas para um fundo europeu conhecido como PURL, avaliado em cerca de 90 bilhões de dólares, mas poderia punir Kiev abandonando esse programa se rejeitar o plano.

Ao mesmo tempo, a Ucrânia desenvolveu uma indústria robusta de drones e mísseis, ainda que necessite ampliar essa capacidade; autoridades locais afirmam que 90% dos drones usados são fabricados no país.

Em março, após o encontro de Trump e Zelensky no Salão Oval, os EUA suspenderam temporariamente o compartilhamento de inteligência com a Ucrânia.

Embora o conteúdo da cooperação não seja público, presume-se que inclua alertas antecipados de lançamentos de mísseis russos e análises em tempo real dos movimentos das tropas, fundamentais diante dos avanços russos em várias frentes.

Em outubro, Zelensky admitiu que as defesas ucranianas contra mísseis russos dependem significativamente da inteligência americana, e sem esta, a eficácia das defesas seria limitada.

Essa inteligência também tem sido usada em ataques profundos dentro do território russo, contra infraestrutura militar e energética, segundo fontes ucranianas.

A Europa tem buscado melhorar seu acesso a esse tipo de informação, o que, porém, leva anos para ser implementado com coordenação.

Os maiores desafios da Ucrânia são internos, como a crise de pessoal do exército, que registrou dezenas de milhares de deserções nos primeiros sete meses do ano. Muitas unidades de infantaria estão subdimensionadas, e reduzir a idade mínima para recrutamento enfrenta resistência política.

Se Kiev rejeitar o plano, o apoio financeiro dos EUA pode ser afetado. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a Ucrânia necessitará de 65 bilhões de dólares em suporte orçamentário no próximo ano, enquanto a União Europeia luta para usar ativos russos congelados como garantia para empréstimos.

O plano de 28 pontos, desenvolvido por Steve Witkoff e Kirill Dmitriev, ameaça prejudicar as negociações sobre esses ativos.

Ele prevê que 100 bilhões de dólares em ativos russos congelados seriam investidos em projetos liderados pelos EUA para reconstruir a Ucrânia, com os americanos recebendo 50% dos lucros.

Além disso, o plano propõe que os fundos congelados na Europa sejam descongelados, apesar de essas reservas estarem fora do controle dos EUA e da Europa não aceitar fazer parte do plano.

O documento assegura que a Ucrânia teria garantias confiáveis de segurança, mas não detalha essas garantias.

Termos vagos como “Espera-se que a Rússia não invada países vizinhos” não inspiram confiança na Ucrânia.

Alguns relatórios mencionam que, segundo um anexo, um ataque armado significativo e sustentado pela Rússia além da linha de armistício seria considerado uma ameaça à paz e segurança transatlânticas, mas a CNN não confirmou essa cláusula.

Sem garantias precisas, endossadas pelo Congresso dos EUA e respaldadas por sanções, Zelensky teria dificuldade em aceitar esse esboço mínimo.

Porém, rejeitar o plano acarretaria riscos existenciais.

Desde antes da invasão total, o presidente russo Vladimir Putin buscava dividir a Europa dos EUA. Desde o começo da administração Trump, o Kremlin tem contrastado os esforços do presidente para resolver o conflito com os “belicistas” europeus.

O plano de 28 pontos reflete essa postura ambígua dos EUA em relação à Otan, propondo um diálogo entre Rússia e Otan mediado pelos EUA, substituindo o papel de aliado pelo de árbitro.

Líderes europeus, junto a Japão e Canadá, indicaram uma recusa educada ao plano no sábado (22), afirmando que ele “precisa de mais trabalho”.

Eles manifestaram preocupação com as limitações propostas para as forças armadas ucranianas, que poderiam deixar o país vulnerável a ataques.

Alguns líderes europeus veem esse momento como decisivo.

Gabrielius Landsbergis, ex-ministro das Relações Exteriores da Lituânia, declarou no sábado que a segurança da Ucrânia e da Europa agora é responsabilidade da Europa.

Há um mês, Zelensky afirmou que discutiu com Trump maneiras de fortalecer a defesa aérea ucraniana e que haviam opções concretas em andamento, mas essas possibilidades agora parecem perdidas.

A possível perda do fornecimento de armas e inteligência, com seu impacto em um campo de batalha que vem se inclinando para Moscou, é relevante, assim como afetar o suprimento energético da Ucrânia.

Ainda assim, isso é secundário diante da perspectiva de que os EUA estariam prontos para recompensar a agressão russa, ignorar a ocupação de território europeu e se distanciar da aliança mais bem-sucedida pela paz na era moderna.

A historiadora Anne Applebaum escreveu para The Atlantic que há uma tradição de grandes potências europeias fazendo acordos às custas dos países menores, resultando em sofrimentos terríveis.

Ela citou o pacto Molotov-Ribbentrop, que desencadeou a Segunda Guerra Mundial, o acordo de Yalta, que deu início à Guerra Fria, e afirmou que o pacto Witkoff-Dmitriev, se mantido, seguirá essa tradição.

Créditos: CNN Brasil

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