Opinião
11:06

Violação da tornozeleira eletrônica de Bolsonaro levanta suspeitas e riscos

Entre a meia-noite do dia 21 e as primeiras horas da manhã de 22 de novembro de 2025, Jair Bolsonaro deixou de ser apenas um condenado monitorado para tornar-se um desafio complexo de segurança pública. Às 0h08, o sistema de monitoramento registrou violação na tornozeleira eletrônica, e o alerta foi enviado imediatamente ao ministro Alexandre de Moraes, que posteriormente ordenou a prisão preventiva do ex-presidente, citando “elevado risco de fuga” e “ato deliberado de sabotagem”.

O documento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seap), divulgado pela imprensa, relata marcas de queimadura ao redor do fecho da tornozeleira e danos compatíveis com exposição a uma fonte térmica de alta intensidade.

A versão dada por Bolsonaro é a de que usou um ferro de solda por “curiosidade”, justificativa que gerou discussão além da anedota. A tornozeleira não é um acessório simples: ela é firmemente ajustada ao tornozelo, com sensores internos e fabricada com material resistente a cortes e calor moderado. Para violá-la, é necessária força, técnica e, no caso observado, exposição a calor intenso por tempo prolongado.

Tecnicamente, um ferro de solda comum opera entre 300°C e 400°C. Contato com a pele nessa temperatura causa queimaduras graves, bolhas e risco de necrose e infecções. Aproximar-se desse dispositivo por segundos já provoca danos sérios. O fato de Bolsonaro aproximar essa ferramenta do tornozelo — uma região sensível e vascularizada — implica risco alto, pouco provável de ser assumido sem conhecimento técnico ou plena consciência do perigo.

Outro ponto relevante: não é comum alguém sem atividade técnica manter um ferro de solda em casa, muito menos em ambiente judicialmente monitorado.

A Polícia Federal deve investigar a origem do equipamento: nota fiscal, loja, data da compra, entrega, testemunhas, câmeras, quem o levou até a residência e se houve consultoria técnica. O ferro não apareceu espontaneamente — foi adquirido, entregue ou colocado por alguém.

Além disso, Bolsonaro enfrenta relatos recentes de soluços persistentes, engasgos e dificuldades para respirar, incluindo um episódio em que teria ficado quase dez segundos sem respirar, conforme o senador Flávio Bolsonaro. Se isso for verídico, a situação se agrava: manusear um ferro quente enquanto preso a uma fonte de energia e em crise de soluço pode causar queimaduras graves, choque elétrico, queda, desorientação ou colapso, com risco até de morte. A combinação de instabilidade fisiológica e uso de alta temperatura configura perigo extremo.

A Seap acrescenta que o dano térmico na tornozeleira é uniforme e circular, o que dificilmente é feito por uma só pessoa nessa posição e condição. Isso sugere que duas ou mais pessoas podem ter participado da ação, ampliando o alcance criminal para possíveis crimes como facilitação de fuga, associação criminosa ou obstrução da justiça.

No centro do episódio está uma narrativa que provoca reflexão: Bolsonaro afirma ter agido por “curiosidade”, uma explicação que não convence nem uma criança de seis anos, que é avisada a não se aproximar de objetos quentes. Como imaginar que um adulto de 70 anos, ex-presidente e ex-deputado de longa carreira, tenha feito algo que crianças sabem ser perigoso? Esse relato causa estranhamento jurídico e jornalístico.

Por fim, uma hipótese delicada mas possível merece atenção: será que essa ação não seria uma tentativa calculada para construir uma imagem de homem emocional e psicologicamente instável, incapaz de responder pelos atos e pleitear cumprimento de pena de 27 anos e três meses em prisão domiciliar em vez de cárcere comum?

A súbita combinação de sintomas físicos, crises respiratórias, impulsividade e atos irracionais pode, se articulada, criar uma narrativa conveniente para o réu.

Por isso, a Polícia Federal, ao manter Bolsonaro custodiado na Asa Sul, deve garantir vigilância rigorosa sobre medicamentos controlados, objetos, visitas e registros constantes, para evitar que qualquer eventual autolesão seja atribuída a negligência do Estado. Cada detalhe agora é crucial.

No fim, mais do que um ferro de solda queimando plástico, o que se desdobra nessa madrugada é a tênue linha entre fato e versão. O país tem o direito e o dever de esclarecer o ocorrido integralmente, sem omitir nenhum detalhe.

Créditos: Sul21

Modo Noturno